O cálculo que definiu a distribuição de vagas no pleito para a eleição de deputados estaduais e federais no Maranhão, que está sendo objeto de disputas judiciais pelo MDB, PSB e PSD, foi alertado em maio deste ano, durante artigo publicado na Revista Consultor Jurídico pelo advogado Vladimir Belmino de Almeida. Além de assessor legislativo no Senado Federal, ele é membro fundador e conselheiro de contas da Abradep.

Na época, antes mesmos das contendas, o causídico destacou que nestas eleições iríamos experimentar uma maneira de preencher as vagas proporcionais (deputados estaduais e federais) de forma diferente de todas as outras que conhecemos até aqui, situação que incomodava e deveria ser objeto de disputas judiciais pós-eleições, gerando instabilidade aos mandatos distribuídos, se não previamente dirimido pelo TSE.

Vladimir Belmino apontou para um duplo filtro nas duas rodadas iniciais de preenchimento dessas vagas. Na primeira, segundo ele, pelo quociente eleitoral (QE), no qual o partido/federação (partido) precisa atingir 100% do QE e seus candidatos um mínimo de 10% deste QE; e na segunda, pela sobra, na qual o partido precisa atingir 80% do QE e seus candidatos 20% deste QE (Lei 4.737/65 — Código Eleitoral).

Ele observa que são muitas as dúvidas que surgem e eis as principais e urgentes a serem discutidas. Antes, porém, vejamos o arcabouço legal que rege o preenchimento dessas vagas proporcionais, com destaques:

Lei 4.737/65 – Código Eleitoral
“Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
“Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras:

§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.”

Resolução TSE 23.677/2021
“Art. 8º Nas eleições proporcionais, estarão eleitos(as), entre os(as) registrados(as) por partido político ou federação de partidos, as candidatas e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um(a) tenha recebido.
“Art. 11. As vagas não preenchidas com a aplicação do quociente partidário e a exigência de votação nominal mínima, a que se refere o art. 8º desta Resolução, serão distribuídas pelo cálculo da média, entre todos os partidos políticos e as federações que participam do pleito, desde que tenham obtido 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral.

§ 2º Ao partido político ou federação que apresentar a maior média cabe uma das vagas a preencher, desde que tenha candidata ou candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima de 20% do quociente eleitoral.”

De plano já se verifica substancial diferença entre o texto legal e o da resolução emitida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para regulamentar as eleições deste ano. Enquanto o Código Eleitoral, em seu português, dita que os 20% da segunda rodada (sobras) devem ser calculados sobre o 80% do QE, a Resolução TSE 23.677/21 indica que se trata dos 20% do QE tido por inteiro, mudando a redação de “desse quociente” para “do quociente eleitoral”. E isso é só o princípio.

Importa destacar que o espírito declarado da mudança legislativa era diminuir o acesso de partidos aos mandatos e prestigiar a governabilidade, ao mesmo tempo em que se diminui os partidos com acesso às verbas públicas ao longo do tempo. Conforme observado por Roberta Gresta em debate sobre o tema, “criou-se um pedágio majorado, aspecto esclarecido pela deputada federal Margareth Coelho (PP/PI) em audiência pública”.

Há de se ressalvar, de maneira mais incisiva, que a lei prevê — e a resolução também — que o partido que atingir os 100% do QE participa da disputa da sobra, aquela dos 80%, devendo ser considerados os votos remanescentes da distribuição após o primeiro preenchimento (artigo 11, § 5°, da Resolução TSE 23.667/21). Eis aqui algo que incomoda e deve ser objeto de disputas judiciais pós eleições, gerando instabilidade aos mandatos distribuídos, se não previamente dirimido pelo TSE.

Num entendimento rápido, os 20% do QE se aplicariam a todos os candidatos das sobras, o que em síntese, ficaria nesse esquema apresentado por Roberta Gresta:

“- Participa da distribuição das sobras partidos com 100% do QE e, ao menos, 80% do QE.
– Calcula-se maior média.
– Partido com maior média fica com a cadeira se tiver candidato com 20% do QE. Caso contrário, não fica.”

Observe-se que o partido que obteve 100% do QE, retorna para disputar as sobras nos 80% do QE; mas ele já elegeu os candidatos na primeira rodada com 10% do QE. Agora, dentro do mesmo partido que tem os 100% do QE, seus candidatos remanescentes precisam de 20% dos 80% (na letra do Código Eleitoral) ou de 20% do QE (na letra da Resolução).

Ou seja, temos um partido que manteve seus 100% de QE, somente disputando a sobras, mas neste partido temos o candidato classe A e o candidato classe B. Ora, o partido continuou a preencher o requisito dos 100% do QE e continua a concorrer com seu saldo de votos (artigo 11, § 5°, da Resolução TSE 23.667/21). Assim, nem o partido e nem seus candidatos poderiam sofrer diferenciação competitiva ante os partidos que não atingiram os 100%.

Sendo certo que o objetivo declarado da lei e sua nova sistemática é diminuir o acesso de partidos, portanto concentrar as vagas, a melhor aplicação da lei é de, mantendo a letra da resolução, impor aos candidatos dos partidos que conseguiram os 80% do QE que acessem as vagas se obtiverem os 20% sobre o QE total (100%).

Por outro lado, igualmente é correto garantir a continuidade de distribuição aos candidatos que tenham os 10% do QE nos partidos que haviam obtido os 100% do QE. De outra feita, é ignorar que os partidos conseguiram e continuaram a ter os 100% do QE (não sumiram 20% do QE por mágica, os votos estão lá!); bem como é de boa técnica e rasa lógica impedir a existência de duas classes de candidatos no mesmo partido, o que pode, inclusive, ter outros complicados desdobramentos, dentre eles o acesso às suplências.

O que se aparenta fora dessa lógica de distribuição de cadeiras é ilegalidade, uma vez que poderá haver candidato classe A e classe B na mesma legenda. Por exemplo, o partido A faz QE para uma cadeira, mas tem cinco candidatos com mais de 10%. Na segunda fase, como fez 100% do QE, participa das sobras, mas agora aqueles mesmos candidatos, nessa mesma legenda, concorrem com 20%; ou seja, no mesmo grupo, dois tipos diferentes, duas qualidades para o mesmo grupo por decorrência de equivocada interpretação quando à distribuição das sobras das cadeiras.

A ideia da nova redação e aplicação da nova sistemática não é excluir por excluir; é, de outro giro, exigir que o partido demonstre aptidão para chegar e exercer o poder, por sua votação geral e, em especial, por seus candidatos.

Dada a celeridade da aprovação do novo método de cálculo da segunda rodada, mas para evitar excesso de demandas pelos disputantes dos mandatos proporcionais, bem como propiciar desde o dia seguinte da apuração tranquilidade quanto à correta distribuição das vagas, convém o TSE elabore o algoritmo de cálculo do resultado das eleições levando em conta o espírito da criação da lei e igualdade entre os contendores, em especial sem ignorar a realidade de que o partido que obteve os 100% de QE na primeira rodada é o mesmo que vai para a segunda rodada, mas não é igual ao que obteve 80%. Da mesma forma, deve prestigiar a igualdade de disputa intrapartidária, evitando a interferência modificativa que pode levar a duas classes de candidatos dentro do mesmo partido.

E veja, após todas essas pertinentes dúvidas interpretativas, ainda resta a discussão das suplências, que deixa de merecer linhas enquanto não resolvidas estas urgentes inconsistências. Assim, já com a cena política tumultuada pelos desencontros entre Executivo e parte do Judiciário, será de bom alvitre evitar mais essa desnecessária procela eleitoral.

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