Os registros obtidos a partir do Procedimento Investigatório Criminal nº 011660-750/2018 instaurado no âmbito do Grupo de Atuação Especial no Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), indicam que o Ministério Público do Maranhão teria descumprido determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a razoável duração de um inquérito.

Em maio de 2015, a mais alta instância do poder judiciário brasileiro fixou tese de repercussão geral no sentido de que o Ministério Público (MP) dispõe de competência para promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigação de natureza penal, desde que respeitados os limites dos direitos e garantias individuais que assistem a qualquer suspeito, indiciado ou não, sob investigação do Estado (RE 593727, repercussão geral, relator ministro Cezar Peluso; relator do acórdão, ministro Gilmar Mendes. Publicado em 8/9/2015).

Foi assim, por exemplo, que nasceu o procedimento investigatório criminal (PIC), que deveria assemelhar-se ao inquérito policial. Acontece que, munidos da possibilidade de investigar, denunciar, processar e pedir a condenação de alguém, os representantes do Parquet, em determinados casos, passaram à margem de alguns princípios fundamentais da Justiça, tais como o direito à ampla defesa, à imparcialidade do agente público (apesar de ser parte no processo, a atuação do membro do MP deve ser isenta e ponderada, não se admitindo ideias preconcebidas ou empenho persecutório exacerbado), além dos direitos civis e dos direitos humanos previstos na Constituição federal.

Tanto isso é verdade que, em janeiro de 2018, o Conselho Nacional do Ministério Público entendeu por bem regulamentar o procedimento referente ao PIC, estabelecendo normas para impor balizas de fundamental importância, dentre as quais a prevista no § 4º do artigo 3º da Resolução 183, de 24/01/2018, que assim diz: “O membro do Ministério Público, no exercício de suas atribuições criminais, deverá dar andamento, no prazo de 30 (trinta) dias a contar de seu recebimento, às representações, requerimentos, petições e peças de informação que lhe sejam encaminhadas, podendo este prazo ser prorrogado, fundamentadamente, por até 90 (noventa) dias, nos casos em que sejam necessárias diligências preliminares”.

As atribuições dos órgãos públicos, principalmente os que atuam na persecução penal, são elencadas taxativamente na Constituição Federal, sendo também confirmadas pela legislação infraconstitucional, delimitando o papel de cada agente público. Em se tratando da prática de atos invasivos dos direitos fundamentais, o agente estatal deve necessariamente observar a estrita legalidade, postulado congênito ao Estado de Direito.

Essa conformidade funcional representa um direito do cidadão, no sentido de que o agente público não tem autorização para o atingir a não ser na exata autorização do ordenamento jurídico. Trata-se de garantia contra abusos e hipertrofia de poder.

Contrariando a legislação, a doutrina e a jurisprudência, o GAECO resolveu desenterrar um procedimento de 2018 [de quase quatro anos] para colocar em prática uma operação cujo argumento foi o de apurar possíveis fraudes em licitações para contratação da empresa Águia Farma Distribuidora de Medicamentos Ltda., nos municípios maranhenses de Araguanã, Carutapera, Centro do Guilherme, Maranhãozinho, Pedro do Rosário e Zé Doca.

O objetivo, entretanto, pode ter sido outro: possivelmente desmoralizar o atual deputado federal Josimar Cunha Rodrigues, mais conhecido como Josimar de Maranhãozinho, que já declarou publicamente seu desejo de disputar as eleições para governador em 2022.

Se a investigação criminal pelo Ministério Público possui limites e o prazo de conclusão do inquérito existe para a proteção do suspeito, cabe se perguntar: quem autorizou um mandado de busca e apreensão de uma investigação que não teve sua duração razoável? Como é possível uma decisão judicial de um inquérito sem fim?

Tendo o STF afirmado que se aplica à investigação do MP as disposições legais sobre o inquérito, sendo certo que lei vale mais que resolução na hierarquia das normas, sempre que houver descompasso entre a resolução e a lei (destacadamente o CPP e a Lei 12.830/13), prevalecerá a lei.

Portanto, enquanto perdurar a posição da Suprema Corte (evidentemente passível de revisão), o MP pode sim fazer investigação criminal, todavia submetida a diversos limites. O Ministério Público não recebeu um cheque em branco sobre a primeira etapa da persecução criminal.

Ademais, a investigação do MP que violar as garantias do investigado, seja do seu direito de ser ouvido, seja do direito ao silêncio, do direito à informação, ou ainda, de qualquer outra garantia, não poderá constituir justa causa válida para estear a ação penal.

Em conclusão, a existência de prazos para a finalização da investigação ministerial é extremamente salutar ao permitir a fiscalização judicial dos procedimentos investigatórios tomados contra o investigado. Contudo, a remessa irracional e desenfreada de inquéritos sem fim, nada traz de garantia a qualquer cidadão e prejudica a sociedade ao atrasar as apurações em que realmente existe linha investigativa viável.

Nome da operação explica

O nome da operação batizada de ‘Maranhão Nostrum’, que remete a Mare Nostrum, pode jogar luz aos fatos narrados aqui. Mare Nostrum era o nome dado pelos antigos romanos ao mar Mediterrâneo.

O termo também foi utilizado por Benito Mussolini na propaganda fascista, de maneira similar ao Lebensraum de Adolf Hitler. Talvez isso explica o fato de usar a tal operação contra alguém que já esteja sendo visto como provável adversário de quem teme perder o poder.

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