Ao abrir o processo de expulsão do deputado Yury do Paredão (PL-CE) por ‘fazer o L’ e punir oito parlamentares que se aproximaram do governo Lula (PT), o Partido Liberal (PL) ignorou um importante questionamento: de onde veio os votos que elegeu os ‘infiéis’ e uma bancada de 23 deputados da legenda? Resposta: do Nordeste.
Em outras palavras: é possível cobrar fidelidade de parlamentares eleitos na principal base eleitoral de Lula, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro foi praticamente ‘esmagado?’ Como seria possível ser ‘fiel’ em uma base eleitoral que o bolsonarismo teve pouca penetração?
Sou a favor de que os partidos precisam de coerência e disciplina para possuir um ideal definido, com o qual o eleitor possa se identificar. Os eleitos devem obediência ao Partido pelo qual se elegem. Só assim se fortalece o regime democrático e se valoriza a representação popular, mas como seria possível cobrar fidelidade para representantes partidários eleitos em uma base política que o principal líder da agremiação partidária não possui grande influência?
Por isso, ao meu ver, o princípio da paridade de armas não foi levado em consideração na análise do caso envolvendo os parlamentares punidos pelo PL. Em outras palavras, Detinha (MA), Bacelar (BA), Josimar Maranhãozinho (MA), Junior Lourenço (MA), Junior Mano (CE), Matheus Noronha (CE), Pastor Gil (MA), Vinicius Gurgel e Yury do Paredão (CE), não tiveram igualdade de tratamento em relação ao exercício de direitos e deveres, bem como à aplicação das sanções.
Para ser fiel às legendas, é preciso que os partidos mantenham um mínimo de coerência com seu programa. De que adianta jurar fidelidade se não dá para respeitar o parceiro, num país em que o próprio ex-presidente se considera um “mito” e a miltância transformou em ‘Deus’ o politico que dizia estar acima de todos?
Entendo que o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Fábio Wanderley, diga que “o mais desejável”, para haver consistência no processo político, é que “o dono do mandato seja o partido”. Mas os partidos brasileiros se tornaram uma sopa de letrinhas que sambam ao sabor das vantagens eleitorais (ou até financeiras). Sou mais a visão de Emil Sobottka, cientista político e professor da PUC do Rio Grande do Sul: “A questão é que os partidos têm feito pouco para fortalecer a fidelidade tanto do eleitor quanto do político”.
A fidelidade [ou infidelidade] também pode estar relacionada ao desempenho de um determinado líder politico em uma ou outra região do país. Explico.
O eleitorado é formado por número de eleitores e, portanto, a busca dos candidatos é por votos, o que leva as campanhas a pensarem em número bruto de votos e não em porcentagens. No dia 2 de outubro do ano passado, quando as urnas foram apuradas e elegeram os deputados da atual legislatura da Câmara Federal, Lula teve 6,2 milhões de votos a mais do que Jair Bolsonaro, ex-presidente. Essa vantagem construída pelo petista, entretanto, não foi homogênea.
Diferentes regiões aportaram diferentes quantidades de votos para Lula e para Bolsonaro. Nosso objetivo aqui é demonstrar como essa vantagem foi construída, trazendo reflexos também nos posicionamentos de muitos parlamentares no Congresso.
Como bem destacaram os cientistas políticos Rafael Favetti e Bernardo Livramento, sócios da Fatto Inteligência Política, em artigo publicado no site Migalhas: “existem poucos Estados realmente decisivos na eleição brasileira. Em 2022, muitos deles entregaram uma vantagem na casa das centenas de milhares de votos – pouco – em relação ao adversário. Além disso, a maioria das vantagens construídas em um Estado se equivale a outras construídas pelo adversário em outras localidades”.
No Acre, por exemplo, Bolsonaro teve 146 mil votos a mais do que Lula. O Amazonas, por outro lado, entregou 139 mil votos a mais para Lula do que para Bolsonaro, praticamente compensando a balança. As comparações podem ser feitas incansavelmente: a vantagem de 469 mil votos de Bolsonaro no Mato Grosso foi consumida pela vantagem de 559 mil votos que o Pará deu a Lula, assim como Minas Gerais, que deu 563 mil votos a mais para Lula, consumiu a vantagem de 465 mil votos do presidente em Goiás.
Quem seriam, então, os grandes motores das campanhas? Pelo lado de Lula, os grandes fiéis da balança foram a Bahia, o Ceará e Pernambuco. Esses Estados entregaram uma diferença de oito milhões de votos para o atual presidente. Só a Bahia entregou quase quatro milhões de votos a mais para Lula do que para Bolsonaro.
O ex-presidente, entretanto, conseguiu equilibrar o jogo com a vantagem conquistada em São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Somados, esses três Estados deram uma dianteira de 4,4 milhões de votos para Bolsonaro.
Entretanto, na análise regional, fica claro que o Nordeste é o grande diferencial de Lula. Mesmo sem força na região, o partido de Bolsonaro conseguiu eleger 23 dos 99 deputados que integram a bancada do PL na Câmara.
O petista só venceu no Nordeste e no Norte, mas a vantagem entre nordestinos ficou muito acima do resultado de Bolsonaro no Sul, Sudeste e Centro-Oeste: foram quase 13 milhões de votos a mais em Lula do que em Bolsonaro no primeiro turno, repito, quando os parlamentares da atual legislatura foram eleitos.
É interessante notar que, mesmo em colégios eleitorais nordestinos pequenos, que poderiam não fazer tanta diferença, Lula conseguiu construir uma dianteira relevante. O Piauí, por exemplo, é apenas o 17º maior colégio eleitoral do país. Mesmo assim, o Estado aportou uma vantagem de 1,1 milhão de votos para Lula, superando o Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do país, que deu uma vantagem de 984 mil votos para Bolsonaro.
Ao analisar os dados de votação, fica claro compreender os motivos que levam alguns deputados do PL a “fazer o L” e outros em permanecer “fazendo o B”. Por isso, não é de bom alvitre pedir ‘liberdade’, mas punir ou expulsar filiados por opiniões, posições e votos.
O PL exige fidelidade, mas ainda faz pouco para fortalecer esse princípio tanto do eleitor quanto do político. O partido caminha para sofrer um grande esvaziamento e, a situação que já era ruim, tende a piorar ainda mais depois que a sigla ficou ‘órfã’ do seu principal líder por inelegibilidade.
Leia mais notícias em isaiasrocha.com.br e nos sigam nas redes sociais: Facebook, Twitter, Telegram e Tiktok. Leitores também podem colaborar enviando sugestões, denúncias, criticas ou elogios por telefone/whatsapp (98) 9 9139-4147 ou pelo e-mail isaiasrocha21@gmail.com