SÃO LUÍS, 17 de novembro de 2023 – Uma decisão da Câmara Municipal de São Luís (CMSL), que passou despercebido pela imprensa maranhense, pode atrapalhar os planos do médico Tadeu Palácio (sem partido), ex-prefeito da cidade, de concorrer ao pleito do próximo ano [caso tenha interesse na disputa por vaga de vereador ou na eleição majoritária] ou venha disputar uma vaga para o Congresso Nacional, Assembleia Legislativa ou algum outro cargo majoritário nas eleições de 2026.
É que os vereadores ludovicenses rejeitaram no dia 8 deste mês, por votação no Plenário Simão Estácio da Silveira, as contas do município referentes aos exercícios financeiros de 2005 e 2008, de responsabilidade de Palácio. De acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a conclusão do processo pelo Legislativo municipal pode acarretar na inelegibilidade do ex-prefeito.
A votação foi resultado de um relatório enviado pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA) à Câmara Municipal. Durante a votação no plenário do parlamento, foram contabilizados 12 votos contrários ao parecer, no entanto, seria necessário o mínimo de 22 votos para derrubar a decisão do TCE.
Votaram favoráveis ao parecer da Corte de Contas os vereadores Coletivo Nós (PT), Astro de Ogum (PCdoB), Chico Carvalho (Solidariedade), Edson Gaguinho (União Brasil) e Thyago Freitas (PRD). Enquanto os vereadores Umbelino Júnior (PSDB), Francisco Chaguinhas (Podemos), Concita Pinto (PCdoB) e Fátima Araújo (PCdoB) se abstiveram da votação.
Competência do Legislativo
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em agosto de 2016, que só uma Câmara de Vereadores poderia tornar inelegível um prefeito que teve suas contas rejeitadas por um tribunal de contas. Assim, para ficar impedido de disputar um outro cargo eletivo, não bastaria somente a desaprovação pelos tribunais, que auxiliam o Legislativo na análise dos gastos.
Em 2010, a Lei da Ficha Limpa determinou que ficariam inelegíveis candidatos que tiveram contas rejeitadas “pelo órgão competente”. A dúvida se dava em relação a qual órgão caberia tal decisão: se somente a Câmara Municipal ou também um tribunal de contas.
Desde então, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) separa as contas em dois tipos: as contas de governo (com números globais de receitas e despesas) e as contas de gestão (mais detalhadas, em que o prefeito também ordena gastos específicos, por exemplo).
Assim, a Justiça Eleitoral considerava que a desaprovação de contas de gestão (mais detalhada) por um tribunal de contas bastava para declarar a inelegibilidade, mesmo com aprovação posterior pela câmara dos vereadores. A exigência de desaprovação pela câmara para tornar alguém inelegível só valia para casos em que estivesse sob análise às contas de governo (mais gerais).
Na época, os ministros do STF analisaram ações de candidatos que ficaram fora de uma disputa por terem contas rejeitadas somente por tribunais de contas e que queriam se habilitar para as eleições, alegando a necessidade de decisão pela câmara dos vereadores.
Por maioria, os ministros decidiram que, independentemente de se tratarem de contas de gestão ou de governo, é necessário sempre a desaprovação das contas pelas câmaras de vereadores para tornar alguém inelegível.
A aprovação das contas pelas Câmaras, no entanto, não deverá inviabilizar eventuais ações de improbidade administrativa contra o prefeito na Justiça comum, caso haja irregularidades.
É o caso, por exemplo, dos ex-prefeitos João Castelo e Edivaldo Holanda Jr., que tiveram seus balanços financeiros aprovados pelos vereadores na mesma sessão que rejeitou as contas de Tadeu Palácio.
No caso de Castelo, as contas aprovadas foram relativas aos anos de 2010 e 2011. Enquanto Edivaldo teve os balanços aprovados referentes aos anos de 2014 a 2019. Durante a análise dos processos, o presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, Raimundo Penha (PDT), explicou o motivo da aprovação, principalmente, em relação ao balanço de Castelo.
“Nós temos o parecer do TCE e o parecer das comissões no qual utilizamos, por analogia, a lei orgânica do próprio tribunal que prevê a aprovação, rejeição ou abstenção. Votamos pelo último devido ao seu falecimento”, frisou.
Julgamento das Contas
Quem exerce função pública deve responder à sociedade por seus atos como agente público. Especialmente, se exerce função de representação política, ou seja, se eleito pelo voto popular. Assim, prestar contas vai além de informar como são geridos os recursos financeiros. Envolve ser responsável pelo alcance das metas, objetivos, resultados e impactos da gestão pública.
O julgamento das contas do prefeito é o momento em que a Câmara Municipal, auxiliada pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA), realiza uma avaliação sobre a qualidade do gasto público. São analisados os aspectos de legalidade, economicidade, eficiência, eficácia e efetividade das ações do Poder Executivo:
•legalidade: refere-se ao cumprimento da legislação em vigor;
•economicidade: refere-se à relação de custo/benefício em que se buscam os maiores benefícios com os menores custos;
•eficiência: refere-se à relação meios e fins, isto é, entre o que foi produzido e o que foi utilizado de fato para produzir bens e serviços públicos;
•eficácia: refere-se ao grau de alcance de metas, objetivos e resultados previstos para determinada ação governamental;
•efetividade: refere-se à produção dos impactos desejados.
A partir da análise completa das contas enviadas pelo prefeito e do parecer prévio elaborado pelo TCE, a Câmara votará um projeto de resolução que aprova ou rejeita essas contas.
Parecer prévio
Para auxiliar a Câmara no julgamento de contas do prefeito, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, elabora um parecer prévio, que deve ser recebido pela Câmara antes da realização do julgamento das contas.
A função do parecer prévio é fazer uma análise técnica sobre a qualidade do gasto público, concluindo pela aprovação ou pela rejeição das contas do prefeito. A partir da leitura desse documento, o Plenário da Câmara fará sua análise. No entanto, para que a Câmara julgue as contas de forma contrária ao parecer prévio, é exigido um quórum especial de 2/3 de seus membros, ou seja, 22 votos.
A Câmara não julga as contas diretamente, mas por meio de projeto de resolução elaborado pela Comissão de Orçamento e Finanças Públicas com essa finalidade.
Efeitos do Julgamento
Se a Câmara aprovar as contas, o ciclo se encerra, esteja o prefeito exercendo o mandato ou não. Contudo, se a Câmara rejeitar as contas, o prefeito pode ficar inelegível por 8 anos, se o motivo da rejeição também configurar ato doloso de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90, Lei das Inelegibilidades:
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
(…)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Somente o Poder Judiciário pode declarar se o ato em questão também configura improbidade administrativa dolosa.