A cassação do vereador Nevo Calado ignorou o fato de que o prazo legal para encerrar o processo acabou em fevereiro / Foto: Reprodução

“Um espetáculo do circo dos horrores”. Assim pode ser definida a cassação do vereador Onezimo de Carvalho Calado – “Nevo Calado” (PSC), pela Câmara Municipal de Luís Domingues, na última quinta-feira (13). Segundo as informações, o vereador teve mandato cassado, após ser acusado de quebra de decoro parlamentar por supostas acusações caluniosas contra o prefeito Gilberto Braga, autor da denúncia.

O caso veio à tona neste sábado (15), depois que o próprio prefeito apareceu debochando do parlamentar cassado, em imagens divulgadas nas redes sociais. Na gravação, ele aparece ao lado do presidente da Câmara, Jonhy Braga, numa comemoração regada a muita cerveja.

No vídeo que viralizou na internet, Jonhy acabou revelando o real motivo da perda do mandato do colega de plenário, que fazia oposição ao prefeito: “Tu não quer respeitar o comando do chefe”.

O vídeo por si só já seria um indício para comprovar o ato ilegal que suspendeu o mandato do parlamentar oposicionista. O problema, entretanto, é que uma série de vícios e irregularidades no recebimento e trâmite da denúncia podem anular a cassação na Justiça, conforme veremos a seguir.

Como tudo começou?

Segundo o blog do Isaías Rocha apurou, no dia 18 de novembro de 2022 foi protocolada na secretaria da Câmara de Luís Domingues/MA denúncia escrita formulada pelo prefeito Gilberto Braga Queiróz em desfavor do vereador Onezimo de Carvalho Calado – “Nevo Calado”.

Na referida denúncia, o prefeito alega que, no dia 13 de outubro de 2022 em pronunciamento na tribuna, o vereador Nevo Calado lhe imputou a prática reiterada de um crime, qual seja, o uso contumaz de drogas, inclusive em locais públicos.

Na denúncia, o prefeito alega ainda que, em face da gravidade dos fatos e por ter zelo pelo seu nome, foi à delegacia de Polícia Civil de Carutapera/MA para registrar um boletim de ocorrência, que foi anexado ao processo administrativo.

“No exposto, solicito o recebimento da denúncia, assim como a cassação do mandato do vereador Nevo Calado, nos termos do artigo 7º, do Decreto-Lei n. 201/1967, por infringência ao inciso III, qual seja: proceder de modo incompatível com a dignidade, da Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública”, diz trecho da petição ao qual tivemos acesso.

Rito de cassação ignorou prazo

De posse da denúncia, o presidente da Câmara, Jonhy Braga decidiu, no dia 24 de novembro de 2022, abrir um processo de cassação contra o colega de plenário, opositor do prefeito. Desde então, uma comissão processante composta por três parlamentares deu início à realização do procedimento para elaboração de um parecer, seguindo o rito previsto no Decreto-Lei 201/67, que estabelece o passo-a-passo a ser adotado em casos como esses.

O problema, entretanto, é que o rito da cassação ignorou o prazo legal de 90 dias para encerrar a apuração. Ou seja, o processo se tornou nulo, após a própria comissão não se atentar ao tempo estabelecido na regra fazendo a votação ocorrer com mais de 127 dias, ferindo o inciso VII do artigo 5º do Decreto-Lei 201/67, que diz:

“O processo, a que se refere este artigo, deverá estar concluído dentro de noventa dias, contados da data em que se efetivar a notificação do acusado. Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos fatos”.

Caso agora será levado à Justiça

O blog constatou que Nevo Calado foi notificado no dia 25 de novembro de 2022 para apresentar defesa prévia. Sendo assim, a palavra final da Casa tinha que ser dada em fevereiro, conforme determina o rito processual previsto no Decreto-Lei 201/67, usado para ‘cassar’ o parlamentar.

Ou seja, como o prazo transcorreu sem o julgamento, por via de regra, o Legislativo luis dominguense deveria ter arquivado o processo, como orienta a norma constitucional. Com base nisso, a defesa do vereador agora afirma que vai à Justiça contra a decisão.

Entendimento do STF diz que imunidade só é válida se a declaração supostamente ofensiva do parlamentar estiver relacionada ao “exercício do mandato”, como é o caso envolvendo o vereador de Luís Domingues.

Inviolabilidade e “proteção adicional”

Outra inconstitucionalidade ocorreu pelo desrespeito ao mandamento constitucional e à jurisprudência que trazem respostas claras sobre a proteção adicional do vereador à liberdade de expressão em seu município.

A Constituição Federal, replicada na Lei Orgânica do Município (LOM) por força de simetria, assegura aos vereadores inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município. Além disso, o Supremo Tribunal já reconheceu, em sede de repercussão geral, que os vereadores detêm “proteção adicional” ao direito de liberdade de expressão em seu próprio município.

Discurso na Câmara

Foi com base nesse entendimento que a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que julgou improcedente um pedido de danos morais manejado por dois médicos cubanos contratados pelo Município de Tupanciretã no âmbito do programa “Mais Médicos”. O acórdão foi lavrado, por unanimidade, na sessão de 15 de abril de 2020.

Segundo a inicial indenizatória, os autores se sentiram ofendidos pelas palavras do então presidente da Câmara Municipal dos Vereadores, Benezer José Cancian (PP), proferidas durante a sessão ordinária do dia 23 de abril de 2018, cujo discurso foi transmitido ao vivo pela Rádio Tupã.

Tese firmada pelo STF

Em agregação aos fundamentos da sentença, a relatora da apelação no TJ-RS, desembargadora Lusmary Fátima Turelly da Silva, considerou “imperativo” mencionar a tese firmada no julgamento do Recurso Extraordinário 600.063/SP, Tema 469, no STF, sob a sistemática da repercussão geral.

Diz, na parte que releva, um dos trechos do voto divergente do ministro Luís Roberto Barroso, redator do acórdão: “É fundamental, portanto, perceber que a imunidade material dos parlamentares confere às suas manifestações relacionadas ao exercício do respectivo mandato proteção adicional à liberdade de expressão. Considerar essas manifestações passíveis de responsabilização judicial quando acarretam ofensa a alguém – como feito pelo tribunal de origem – é esvaziar por completo o ‘acréscimo’ de proteção que constitui a essência da imunidade constitucional.”

O que diz a legislação brasileira?

O processo de afastamento de um prefeito, vice ou vereador, começa com a apresentação de uma denúncia contra eles. No entanto, o procedimento tem uma série de normas que devem se enquadrar no Decreto Lei 201/67 que dispõe sobre a responsabilidade de chefes do executivo e representantes do legislativo. Se alguma regra não for respeitada [ como foi o caso em Luis Domingues], o rito (e todas as suas decisões) pode ser anulado por decisão judicial.

Câmara abre precedente contra si

Além de ignorar prazo legal para encerrar o processo e não respeitar mandamento constitucional e a jurisprudência, a Câmara de Luís Domingues ao cassar um de seus integrantes, também acabou abrindo um precedente perigoso no Regimento Interno contra os demais parlamentares que não tiveram sequer o cuidado de analisar o dispositivo do Art. 41, da Lei Orgânica.

Prefeito foi pivô de escândalo nacional envolvendo pastor que pediu ouro em troca de verba no MEC

Para que a ilegalidade não prevaleça, se faz necessário que o judiciário maranhense venha anular esse ‘circo’ para que o ato ilegal não venha envergonhar mais uma vez o município maranhense à nível nacional, pois não custa lembrar que o prefeito – autor da denúncia de cassação contra o seu opositor – é o mesmo que recebeu pedido de propina em ouro de pastor ligado ao Ministério da Educação (MEC), conforme áudio divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” em junho do ano passado.

Outro lado

O blog procurou o presidente da Câmara para comentar as denúncias de irregularidades no rito do processo de cassação do colega de plenário e a repercussão do vídeo em que revela o suposto motivo da suspensão do mandato do parlamentar e aguarda um posicionamento oficial. O prefeito citado também foi procurado, mas não conseguimos contato para que ele pudesse se manifestar.

Documentos

Clique aqui e veja o inteiro teor da denúncia

Clique aqui e confira o parecer da cassação

 

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