O padre Egídio de Carvalho Neto, 56, suspeito de desviar recursos de entidades filantrópicas, se entregou à polícia em João Pessoa na manhã desta sexta (17). Mais cedo, o Tribunal de Justiça da Paraíba havia expedido mandado de prisão contra ele.
Segundo as investigações, o padre teria sido responsável por apropriação de dinheiro do hospital e do Instituto São José, que atende pessoas pobres pelo SUS, e da Ação Social Arquidiocesana. Com o dinheiro, diz a apuração, usufruiu e adquiriu diversos bens de luxo, entre eles 29 imóveis de alto padrão em três estados. As investigações, porém, ainda estão em curso.
Em nota, a promotoria afirmou que “as investigações revelam um esquema de desvios de recursos públicos estimados em cerca de R$ 140 milhões. Esses desvios (…) ocorreram entre 2013 e setembro deste ano. As operações ilícitas afetaram gravemente o Hospital Padre Zé, comprometendo o atendimento a populações carentes e necessitadas.”
A ordem de prisão foi dada nesta sexta-feira (17) pelo desembargador Ricardo Vital de Almeida, que atendeu pedido do MP (Ministério Público) da Paraíba.
“Presentes a prova da materialidade delitiva e indícios de autoria, aliados à necessidade da custódia para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal, resta autorizada a imposição da segregação cautelar [prisão]”, diz a ordem de prisão.
Desvios e luxo
Segundo a investigação, o padre Egídio recebia salário pela gestão do hospital em torno de R$ 15 mil. Entretanto, entre janeiro de 2021 e setembro de 2023, passaram pela conta dele de R$ 4,5 milhões, o que dá uma média de R$ 140,9 mil por mês. A quantia desviada pode ser muito maior, como estipula a nota da promotoria.
Além da grande quantia, o padre adquiriu bens de alto padrão incompatíveis com sua renda formal.
“Ao agir por aproximadamente uma década, Egídio enriqueceu-se ilicitamente às custas dos cofres públicos e, em última análise, da própria sociedade hipervulnerável desta localidade. Foram 29 imóveis ao total — até o momento — nos Estados da Paraíba, Pernambuco e São Paulo, TODOS de elevadíssimo padrão de construção e perdulário, orquestração de pisos, iluminação e decoração”, completa a decisão que decretou a prisão.
Além disso, diz a apuração, há registro de compra dois carros de luxo e inúmeros vinhos, “que superam a média de mil reais por garrafa.”
A investigação ainda apontou, segundo os depoimentos colhidos de pessoas da administração do hospital, que documentos já chegavam “montados e prontos, havendo constante pressão para que os servidores assinassem e carimbassem sem a análise do objetivo.”
O pároco era diretor-presidente do hospital e foi afastado do cargo em agosto, assim como das suas funções eclesiais. Ele responde a processo canônico, que pode resultar em sua expulsão da Igreja Católica. As duas mulheres atuaram com ele na administração e são suspeitas de ajudar no desvio de recursos.
O advogado do padre Egídio, José Rawlinson Ferraz, foi procurado pela coluna, mas não retornou a mensagem. O texto será atualizado em caso de manifestação.
Mais investigados
Além de Egídio, foram expedidos mandado de prisão contra Jannyne Dantas Miranda e Silva, tesoureira do Instituto São José e do próprio Hospital Padre Zé; e Amanda Duarte Silva Dantas, que atuava na contabilidade. Até as 11h não havia informação sobre o cumprimento dos mandados.
Os três são suspeitos de organização criminosa, lavagem ou ocultação de bens, peculato e falsificação de documentos públicos e privados. A coluna tenta contato com a defesa dos demais acusados.
“Conforme observado, os documentos e outros elementos de informação colhidos durante a fase investigativa apontam para fortes indícios e elementos outros, ao menos neste juízo de cognição sumária, para o envolvimento dos referidos investigados na suposta organização, com a provável participação de terceiros ainda por identificar”, continua a peça judicial.
Nova direção cita empréstimos
O hospital Padre Zé é uma referência em serviço de saúde gratuito em João Pessoa e atende cerca de 18 mil pessoas por ano em diversas áreas. A nova direção do hospital, que assumiu no dia 25 de setembro, é presidida pelo padre George Batista.
O padre Batista afirma que se deparou com dois empréstimos feitos pela gestão anterior em um total de R$ 13 milhões. Elas geram hoje parcelas mensais pagas em torno de R$ 250 mil, que comprometem os serviços ofertados na unidade.
Ele explicou ainda que o hospital precisa de R$ 1,3 milhão para se manter mensalmente. Como recebe, em média, entre R$ 900 mil e R$ 1 milhão do SUS, vive de doações para completar o valor.
O Arcebispo Metropolitano da Paraíba, Dom Manoel Delson, disse que chegou a conversar duas vezes com o padre Egídio: a primeira quando houve uma denúncia de celulares furtados do hospital, e a segunda após o início das investigações do MP, pedindo para que ele se afastasse da ASA (Ação Social Arquidiocesana), do hospital e da paróquia.
Ele disse que só soube da suspeita após ela ser divulgada na imprensa.
“Sensação [é] de choque, de vergonha. Me sinto traído porque foi preparado para anunciar o evangelho, testemunhar a fé, para estar a serviço dos mais pobres. Ele passava segurança, de que as coisas vinham funcionando. É uma tristeza muito grande que um sacerdote de Deus tenha se envolvido numa coisa dessa natureza”, destacou Dom Manoel Delson, arcebispo.
Fique por dentro da situação:
Clique aqui e leia a denúncia do Ministério Público da PB
Leia aqui a íntegra da decisão dos mandados de prisão
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