O Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA) expôs, através de um relatório detalhado, uma possível fraude massiva envolvendo prefeituras maranhenses e a implantação de escolas em tempo integral. Em uma fiscalização abrangente, 182 municípios foram investigados, e o resultado é alarmante: pode haver um desfalque de R$ 195 milhões devido a dados inflados sobre matrículas escolares em 2022.
Na última terça-feira, 7, o blog do Isaías Rocha apontou que a auditoria realizada pelo órgão sobre aumento das matrículas nas cidades fiscalizadas pode ter ignorado a mudança na lei que prevê exatamente a ampliação das vagas.
O advogado Flávio Olímpio, contador, mestre em controladoria governamental e doutorando em direito à governança global, também vê as informações com cautela. Em artigo publicado na imprensa, o especialista diz acreditar que os dados não são conclusivos para atestar fraude.
O autor da renomada obra “Comentários à Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão” exalta a importância das atribuições do órgão governamental para a consolidação da “educação integral” e da “escola em tempo integral”, mas aponta a ausência, até então, de um trabalho de investigação robusto e conclusivo que englobe todas as competências de supervisão do TCE sobre as atividades de municípios acerca da implementação da educação Integral.
Confira o artigo na íntegra:
Educação em Tempo Integral: Um desafio para os Municípios do Estado do Maranhão
Flávio Olímpio
Nos últimos dias tem se disseminado no meio político administrativo do Estado, a existência de uma suposta grande fraude envolvendo recursos da Educação perpetrada por prefeitos de diversos municípios do Estado do Maranhão. Trata-se da inclusão nos sistemas de informação do MEC de alunos de escolas públicas municipais no chamado “ensino de tempo integral” sem, contudo, existir de fato “escolas em tempo integral” nos municípios apontados.
O conceito da tão falada “educação em tempo integral” decorre da interpretação da Lei de Diretrizes e bases da educação-LDB. A extensão do período de permanência dos estudantes do Ensino Fundamental na escola encontra-se prevista no artigo 34, que estabelece que “A jornada escolar no ensino fundamental incluirá́ pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola”.
Em julho de 2023 foi sancionada a Lei nº 14.640 que instituiu o Programa Escola em Tempo Integral. Segundo o disposto no Art. 3º, § 1º consideram-se matrículas em tempo integral aquelas em que o estudante permanece na escola ou em atividades escolares por tempo igual ou superior a 7 (sete) horas diárias ou a 35 (trinta e cinco) horas semanais, em 2 (dois) turnos, desde que não haja sobreposição entre os turnos, durante todo o período letivo.
Segundo o programa, a expansão para um regime de jornada ampliada de pelo menos 7 horas por dia ou 35 horas por semana visa promover o desenvolvimento e formação integral de bebês, crianças e adolescentes. Isso é possibilitado por meio de um currículo integrado, que engloba uma gama de experiências educativas, sociais, culturais e esportivas, que ocorrem tanto no ambiente escolar quanto fora dele (BRASIL).
Operacionalmente, o ponto de partida é a adesão ao mecanismo de incentivo financeiro para o aumento do número de novas matrículas em tempo integral. O programa visa disponibilizar recursos apenas durante o interstício temporal necessário para que as novas matrículas passem a ser consideradas na distribuição do Fundeb, priorizando a inscrição de alunos em situação de maior vulnerabilidade.
Resumidamente, depois da concretização da matrícula e encerrado o processo do Censo Escolar, os dados do número de alunos matriculados são utilizados para calcular as distribuições do FUNDEB para o ano seguinte. Portanto, uma nova matrícula em tempo integral geralmente começa a ser recebida pelo ente da federação, via FUNDEB, no ano seguinte à inscrição do aluno. No entanto, é importante salientar que essa é uma descrição geral do processo e que pode haver variações dependendo de fatores específicos.
Tecnicamente, para garantir a qualidade e a equidade na oferta do tempo integral, o Programa foi estruturado em cinco eixos os quais sejam: Ampliar, Formar, Fomentar, Entrelaçar e Acompanhar. Estes eixos foram desenvolvidos a partir de avaliações, escutas e diálogos com redes de ensino, pesquisadores, fóruns de Conselhos de Educação, organizações da sociedade civil, bem como a revisão de estudos e pesquisas já́ realizados sobre programas nacionais ou subnacionais de ampliação da jornada escolar (BRASIL).
Por sua vez, a Lei de reformulou o FUNDEB, Lei 14.113/20, estabelecendo, dentre outras questões, um incremento de 30% sobre o valor por aluno nos repasses aos entes que possuíssem alunos matriculado em tempo integral. Como isso, muitos municípios do Brasil, e do Maranhão providenciaram a inclusão de alunos nessa modalidade de ensino. Contudo, segundo denúncias, muitos não oferecem satisfatoriamente a “educação em tempo integral”.
Sem adentrar no mérito das condutas dos gestores, a questão educacional no Estado do Maranhão e em especial nos municípios sempre foi um calcanhar de aquiles para todos prefeitos e governadores. É sem dúvida um desafio que precisa ser encarado e todas as medidas adotadas visando a melhoria desse quadro merecem ser incentivada e fomentadas.
Segundo os dados contidos no Projeto de Lei do Plano Plurianual- PPA do Governo do Estado para os anos de 2024-2027, em 2022, a taxa de analfabetismo para pessoas com 15 anos ou mais no Maranhão alcançou 12,1%. Se fizermos uma análise pelas regiões do interior do Estado, os índices pioram significativamente. Na baixada maranhense, 22,95% da população de 15 anos ou mais é analfabeta. Na região Alpercatas, o índice alcança 29,79%, e, já na região do Delta e dos Cocais, o índice sobe para alarmantes mais de 32%.
Entre muitas ações de governo para reduzir os índices vergonhosos de analfabetismo no Estado, o PPA apresenta 06 ações de governo que visam melhorar a infraestrutura escolar, tanto do Estado quanto dos municípios, com reservas orçamentária de R$ 2.144.848.239,00 a serem executadas ate 2027.
O plano, aliado a outras estratégias, compreende que boa parte das escolas municipais ainda são inadequadas no quesito infraestrutura escolar (salas de aulas, bibliotecas, ginásios, refeitos e etc). Assim, melhorar a estrutura física das escolas é um passo importante na busca pela melhoria na qualidade do ensino em geral.
Pois bem, feito essas considerações passamos a analisar a suposta fraude dos municípios que tem ganhado os holofotes da mídia recentemente.
Em recente trabalho de fiscalização (processo nº1.041/2023), o TCE-MA apresentou relatório que fez sugerir a descoberta de uma suposta fraude no “Ensino de Tempo Integral” em alguns munícipios maranhenses.
Segundo o Presidente do TCE-MA, em recente entrevista a TV, ao comentar a suposta fraude disse que “a chance de nós encontrarmos problemas, infelizmente, é bastante razoável”. Continua: “Faremos, nos próximos dias, uma ampla fiscalização na Educação de Jovens e Adultos, de município que tem uma grande parte da sua população matriculada na Educação de Jovens e Adultos. Como o crescimento foi muito grande de um ano para o outro, a chance de nós encontrarmos problemas, infelizmente, é bastante razoável”, disse.
Nesse artigo não cuidaremos de analisar, sob nenhum aspecto, questões relacionadas a legalidade ou regularidade dos procedimentos adotados por municípios no que se refere ao preenchimento de dados em sistemas de informações prestadas ao TCE ou ao próprio Ministério da Educação sobre matrículas de alunos em programa de educação de jovens e adultos ou em educação de tempo integral.
Limitaremos nossa abordagem aos aspectos conceituais e estatísticos que envolvem a educação fundamental no Estado do Maranhão, considerado em sua integralidade e contrapondo os resultados apontados pelo TCE-MA.
Com todas as vênias, entendemos que, os dados apresentados até o momento pelo TCE por si só não são conclusivos para atestar, em definitivo, que de fato existe uma fraude no sistema de informações sobre educação em tempo integral nos munícipios do Maranhão ou se prefeitos desviaram recursos públicos da educação, como propalado.
Essa constatação verifica-se pela natureza incipiente e pela ausência de metodologia científica clara empregada no relatório do TCE-MA. As inconsistências metodológicas começam pelo próprio objetivo do trabalho que foi identificar e avaliar “a infraestrutura das escolas nos municípios que declararam possuir parte da sua população estudantil na categoria de tempo integral”. (Relatório de Levantamento nº 2748/2023-NUFIS02).
Em nenhum momento o Relatório do TCE destaca que seu objetivo seria apurar, como de fato não apurou, se a educação integral e as escolas em tempo integral estão sendo implementadas de acordo com os parâmetros e metas estabelecidos nas legislações pertinentes.
Cumprindo o objetivo do levantamento, o TCE apresentou como resultado do trabalho um check-list elaborado pelos auditores em que preencheram informações sobre a infraestrutura física das escolas municipais no que se refere a: ÁREA PARA PREPARO E CONSUMO DE ALIMENTOS, ARMAZENAMENTO E DESCARTE DE RESÍDUOS SÓLIDOS, BANHEIROS, ESTRUTURA ADMINISTRATIVA, ÁREAS VERDES EXTERNAS, SALAS DE AULA, QUADRAS ESPORTIVAS.
Seguidamente, foi realizando um cruzamento com informações prestadas pelos gestores, ao final, após a consolidação dos dados coletados no check-list aplicado in loco nas 156 escolas selecionadas, o TCE chegou à conclusão de que, “como aquelas estruturas das escolas visitadas não estão adequadas, somente um pouco mais de 12% das escolas visitadas de fato são de tempo integral. As demais funcionam em tempo regular, e no máximo, oferecem aos alunos reforço escolar no contraturno”.
Entretanto, verifica-se de pronto que, partindo-se dessa premissa não se chega necessariamente a essa conclusão. Não é o fato das escolas dos munícipios do Maranhão não possuírem estrutura física compatível com uma escola “ideal” que faz com que ali não se desenvolvam atividades de ensino aprendizagem, seja em tempo regular, seja em tempo integral.
Se assim fosse, esse raciocínio levaria à conclusão de que não apenas a educação integral está comprometida, como a própria educação “regular” também seria inviável mediante as peculiaridades da infraestrutura constatada, ou seja a se a escola não serve para educação integral, também não serve para educação regular.
As inadequações, a precariedade e a falta de instrumentos educacionais nos municípios do Maranhão é inconteste e não é um problema novo. Também por isso infelizmente o Maranhão apresenta os piores indicadores de educação no País.
É importante salientar que adequar as escolas à educação “ideal”, seja regular e ou integral, requer altos investimentos em infraestrutura, tecnologia, capacitação dos profissionais, entre outros aspectos e, historicamente, os valores envolvidos tem se mostrado insuficientes para alcançar os resultados pretendidos, no prazo fixado, mesmo considerando o Fundeb e outros programas de mesma natureza, como é o caso do Programa de Apoio à Manutenção da Educação Infantil – Novos Estabelecimentos (Pro infância) e Novas Turmas (Brasil Carinhoso) – Lei Federal no 12.499/2011 (TODOS PELA EDUCAÇÃO).
Porém, é indispensável para a deslinde do tema, compreendermos a ideia de que, em nosso país, a educação integral ainda é bastante confundida com a simples ampliação do tempo letivo, por isso, torna-se essencial apresentar a compreensão de educação integral desvinculada do tempo integral na escola.
A exemplo disso pode-se mencionar escolas em que a jornada escolar é em tempo considerado integral e, todavia, mesmo assim não seja fornecida aos discentes a educação integral. Ou ainda, uma escola ou espaço educativo que funcione em apenas um turno, mas nela ocorra uma educação integral nas áreas pertinentes.
Nas palavras de Darcy Ribeiro, um expoente da educação no Brasil, a educação integral está amplamente relacionada à plenitude do sujeito, compreendendo todas as áreas de sua vida, seja na saúde, nos seus direitos sociais, na formação ao trabalho, na cultura, no esporte etc (RIBEIRO, Darcy. Balanço crítico de uma experiência educacional. In RIBEIRO, Darcy. Carta 15: O novo livro dos CIEPs. Brasília: Senado Federal, 1995-2, p. 17-24).
Nesse sentido, frisa-se que o conceito de educação integral, em que pese as definições legais positivadas no ordenamento jurídico nacional, a definição não pode ser unicamente atribuído à dilação do período de permanência dos alunos nas salas de aula ou até mesmo na unidade escolar especifica.
Retornando ao relatório do TCE-MA, o Anexo II do trabalho de fiscalização apresenta ainda uma tabela que evidencia que municípios do Maranhão apresentaram ao MEC em 2022, no Censo escolar, 128.276 alunos matriculados no regime de tempo integral. Porém, sem demonstrar a metodologia utilizada para a apuração, o TCE informa que somente 3.297 alunos foram “encontrados”. Registrando assim que houve uma fraude na inclusão de 124.979 alunos no censo escolar.
Como já foi exposto, a apuração não apresentou a metodologia específica que foi aplicada, a fim de demonstrar como os resultados da pesquisa foram alcançados. Isso posto é temerário sustentar que houve de fato fraude perpetrada por gestores na manipulação dos dados, com o objetivo de se obter receita orçamentária do FUNDEB acima do valor devido ao município.
O Tribunal de Contas exerce um papel crucial na fiscalização das políticas públicas de educação, avaliando o cumprimento das diretrizes legais e normativas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE). Nesse sentido, deve atuar verificando se a educação integral e a escola em tempo integral estão sendo implementadas de acordo com os parâmetros e metas estabelecidos nessas e em outras legislações pertinentes.
O TCE examina, por exemplo, se os valores previstos nos orçamentos públicos para a expansão das horas de ensino e a ampliação da infraestrutura escolar estão sendo devidamente utilizados e, se necessário, realiza auditorias e inspeções para verificar a efetivação desses investimentos.
Para além da fiscalização financeira e orçamentária, o Tribunais de Contas também tem a responsabilidade de avaliar a gestão contábil e patrimonial dos recursos aplicados na educação. Isso significa que ele analisa se a contabilização dos gastos está sendo feita de forma correta e transparente, se os bens adquiridos ou melhorados com os recursos públicos estão sendo devidamente registrados e se o patrimônio público está sendo preservado.
Além disso, por meio da avaliação operacional, que ao fim e ao cabo deve retroalimentar o ciclo de planejamento, e que, portanto, necessita constar em sua conclusão sugestão de ações para a melhoria da política pública, o Tribunais de Contas deve verificar se as ações implementadas pelo poder público estão alcançando os resultados esperados. Ou seja, se os investimentos feitos na educação integral e na escola em tempo integral estão efetivamente contribuindo para a melhoria da qualidade da educação, para a promoção do desenvolvimento integral dos estudantes e para a redução das desigualdades educacionais.
Diante dessas considerações, torna-se evidente a ausência, até então, de um trabalho de investigação robusto e conclusivo que englobe todas as competências de supervisão do TCE sobre as atividades de municípios acerca da implementação da educação Integral. Em razão dessa lacuna investigativa, seria prematuro e precoce se atribuir e confirmar a existência de fraudes no sistema de educação de diversos municípios do Maranhão.
Por fim, deve-se exaltar a importância das atribuições do TCE-MA para a consolidação da “educação integral” e da “escola em tempo integral” pelo inegável e necessário propósito de assegurar que os recursos destinados a essas políticas públicas sejam corretamente aplicados.
*Advogado, Contador, Mestre em Controladoria Governamental, Doutorando em Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca-Espanha.
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