Transcrições de gravações e imagens reveladas ontem pela revista “Crusoé” reforçam a tese de que o governador Flávio Dino (PSB) pode ter sido beneficiado com o vazamento de informações privilegiadas de inquéritos sigilosos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar emendas com irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União (CGU).
As suspeitas ficaram mais evidentes ainda quando veio à tona que um dos autores da reportagem seria primo do secretário de Comunicação do Governo do Maranhão. Paulo Cappelli assina a matéria ao lado do jornalista Rodrigo Rangel. O sobrenome do primeiro, entretanto, não nega o parentesco existente com Ricardo Cappelli, que atualmente é o titular da Secom.
Curioso, que foi o próprio Ricardo quem confirmou a relação de parentesco com Paulo. Ao responder um questionamento do senador Roberto Rocha (PSDB) pelas redes sociais, o titular da Secom confirmou, nas entrelinhas, que ele e o jornalista da Crusoé são da mesma família.
Outros indícios
O governador Flávio Dino convive com outras suspeitas de favorecimento de informações de vazamento de investigações, que geraram pedido de apuração contra o governador no STF. Os indícios estão relacionados à Lava Jato e as evidências ficaram mais fortes em 2017, com as prisões do procurador da República Ângelo Goulart Villela, que atuava como auxiliar do vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao Dino, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do advogado Willer Tomaz.
Na época, a tese levantada era a de que o governador maranhense poderia ter sido beneficiado com o vazamento de informações privilegiadas, no bojo da Operação Lava Jato, sobre o pedido de abertura de inquérito que tramitou contra ele no STF e que foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em função disso, o deputado federal Hildo Rocha (PMDB), que foi um dos autores de uma representação protocolada no STF e direcionada ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, pediu a abertura de investigação do suposto vazamento ao governador do Maranhão, da delação do ex-funcionário da Odebrecht, José de Carvalho Filho.
Na opinião do parlamentar, os fatos evidenciam a relação de Dino com os presos pela Polícia Federal (PF).
A prisão do procurador foi efetuada em Brasília, na manhã do dia 18 de maio de 2017. Ele havia sido denunciado por três delatores por repassar informações sigilosas da Procuradoria-Geral da República (PGR) em troca de dinheiro.
O procurador atuava como auxiliar direto de Nicolao Dino, irmão do governador Flávio Dino. De acordo com um dos proprietários da JBS, Joesley Batista, o procurador gabava-se de ter acesso privilegiado aos dados da Lava Jato.
Filme repetido
Um mês antes das prisões, os deputados Hildo Rocha (PMDB), Adriano Sarney (PV), Edilázio Júnior (PV), e os ex-deputados Sousa Neto (PROS) e Andrea Murad (PMDB), chegaram a assinar representação no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir apuração, do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, no fim do mês de abril daquele ano.
O socialista foi delatado como beneficiado, em 2010, de uma propina no valor de R$ 200 mil, paga pela Odebrecht. O dinheiro teria sido pago em troca do apoio de Dino, então deputado federal, ao Projeto de Lei nº 2.279/2007, de interesse da empreiteira.
O conteúdo do depoimento estava em sigilo. No entanto, no dia 13 de março do mesmo ano, partiu da Procuradoria-Geral da República (PGR) o pedido de investigação do caso e o levantamento do sigilo. No dia 4 de abril, o ministro autorizou a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que é o foro competente para julgar governador – e quebra o sigilo das investigações.
Essas duas informações só chegaram ao público em geral no dia 11 de abril. Mas, tão logo teve seu nome confirmado na nova lista da Lava Jato, Flávio Dino lançou mão de uma certidão da Câmara dos Deputados informando que ele não deu qualquer parecer no Projeto de Lei nº 2.279/2007. O documento foi emitido no dia 17 de março, quase um mês antes de a publicação das decisões. Daí, a suspeita de vazamento.
Vazamento é crime
Aliados do governador maranhenses ouvidos pelo blog negam e rebatem as insinuações afirmando que, “se o processo está no Supremo Tribunal Federal, pode ter vazado ali dentro ou em qualquer outro órgão”.
Fato é que, se detalhes da apuração sigilosa contra Josimar foram divulgados, houve um crime. E no Código Penal o responsável pelo vazamento pode ser enquadrado como “violação de sigilo funcional”, segundo juristas, com pena prevista de até seis anos de prisão e multa.
É o artigo 325, que pune o funcionário público que “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, prejudicando a administração pública ou qualquer outra pessoa.
Isso não vale, porém, para o jornalista que recebe a informação e a torna pública. Nesse caso, o profissional é protegido pelo artigo 5º da Constituição. “O repórter está no exercício da sua profissão, mas a pessoa que traz o dado tem acesso a ele por confiança legal ou autorização judicial”, destaca especialistas consultados pelo blog.
Inquérito sigiloso
A princípio, todo inquérito policial é sigiloso (exceto para as partes), segundo o artigo 20 do Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no inquérito o A princípio, todo inquérito policial é sigiloso (exceto para as partes)”.
Segundo o dispositivo, “autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Esse sigilo, porém, pode ser “reforçado” por uma decisão judicial caso se entenda que a divulgação daquelas informações pode violar direitos individuais, como ocorrências envolvendo menores ou crimes sexuais, ou atrapalhar a apuração.
Já os processos judiciais são, via de regra, públicos, mas podem correr sob segredo de Justiça pelos mesmos motivos — que é o caso da apuração sobre as emendas parlamentares, cujo sigilo foi decretado pelo STF.
Portanto, se um funcionário público vaza uma investigação, está violando a lei e, possivelmente, descumprindo uma decisão judicial, crime também previsto no Código Penal (desobediência) com pena de até seis meses de prisão e multa.
Em tempos de desinformação e pandemia, o blog do Isaías Rocha reforça o compromisso com o jornalismo maranhense, profissional e de qualidade. Nossa página produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.