São Luís ainda não conta com aplicativo em tempo real para auditar gastos do transporte público

Balanços financeiros das empresas de ônibus de São Luís colocam em dúvida o real faturamento do setor. A suspeita é de que os consórcios estariam ‘maquinado’ os custos para drenar lucros e mascarar a situação financeira das empresas.

Até 2016, a prefeitura ludovicense era a dona de direito e de fato do transporte coletivo da cidade. Na época, a SMTT tinha controle sobre a planilha de custos de todos os insumos: diesel, pneus, manutenção, salários e impostos. Com isso, o município sabia quanto entrava de dinheiro e quanto custava a operação do sistema.

Com esse controle dos custos, a administração municipal sabia exatamente o valor necessário para que um ônibus rodasse um quilômetro. E era assim que as viações eram pagas, pela quilometragem e não pelo número de passageiros transportados.

Segundo o blog apurou, o pagamento era: esse percurso rodado mais um acréscimo de porcentagem, que era o lucro delas. Este modelo tornava interessante colocar mais ônibus circulando para aumentar a quilometragem rodada e o faturamento.

Mas em 2016, a prefeitura entregou a chave do cofre às empresas. O edital transferiu a elas o controle das receitas e despesas. O faturamento passou a vir do dinheiro das passagens. A lógica se inverteu: quanto mais gente dentro de um ônibus, melhor.

DOCUMENTO
Clique para baixar o Edital e o Projeto Básico

O novo contrato de concessão, com duração de 20 anos, estabeleceu que a tarifa fosse reajustada com base na inflação, desde que a prefeitura autorize o aumento. E a cada quatro anos seria realizada uma auditoria independente. Se os custos aumentassem muito, a tarifa subiria, para garantir a saúde financeira do sistema.

Os contratos têm os seguintes valores:

1. Para o lote I: R$ 2.250.586.911,00 (dois bilhões, duzentos e cinquenta
milhões, quinhentos e oitenta e seis mil, novecentos e onze reais);

2. Para o lote II: R$ 1.561.639.808,00 (um bilhão, quinhentos e sessenta e
um milhões, seiscentos e trinta e nove mil, oitocentos e oito reais;

3. Para o lote III: R$ 1.922.887.902,00 (um bilhão, novecentos e vinte e dois
milhões, oitocentos e oitenta e sete mil, novecentos e dois reais;

4. Para o lote IV: R$ 1.767.507.542,00 (um bilhão, setecentos e sessenta e
sete milhões, quinhentos e sete mil, quinhentos e quarenta e dois reais).

Contraponto ao déficit

Após 5 anos, a licitação das linhas de ônibus não melhorou a qualidade do serviço e desde então as empresas reclamam que o sistema estaria operando com déficit que passa dos R$ 6 milhões. O problema, entretanto, é que a falta de transparência no sistema tarifário e de subsídio do transporte coletivo da capital maranhense, por exemplo, impede os usuários de acreditaram nos argumentos dos empresários.

As suspeitas ficam mais evidentes com a revelação de que a Dataprom, responsável pelo sistema de bilhetagem eletrônica, de responsabilidade do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de São Luís – SET, estaria sendo acusada de cobrar quase três vezes mais pelo serviço do que a média do mercado.

Ou seja, a denúncia trouxe à tona a necessidade de mudanças em contratações atualmente feitas sem licitação. É o caso do serviço de bilhetagem eletrônica e equipamentos de monitoramento instalados nos ônibus. Conforme foi detectado pela CPI da Urbs em Curitiba, essas contratações podem contribuir para onerar a planilha de custos do transporte municipal.

A entrega de 52 novos ônibus para fortalecer o sistema de transporte urbano da capital, ocorrida no mês de setembro deste ano, é mais um ponto importante que coloca em suspeição o argumento de déficit no setor. E a lógica é simples: ora, para uma empresa ganhar empréstimo ou financiamento, ela tem de ter fundamentos econômico financeiros – ou seja capacidade de pagar.

E aí é que o bicho pega: pelas demonstrações contábeis oficiais, praticamente nenhuma empresa de ônibus ludovicense teria condição de pegar empréstimos ou financiamentos. E por que? Porque as demonstrações (balanços financeiros) exibidas para a prefeitura, a partir das quais geram-se as planilhas de custo e, em seguida, as tarifas, revelam sempre um sistema deficitário.

Apesar do déficit, empresas conseguem ‘convencer’ bancos a financiarem novos ônibus para o sistema de transporte urbano de São Luís

Maquiagem dos custos

No entanto, um artigo publicado no blog do Nassif pelo ex-analista de crédito Fernando Souto, revela alguns sinais de fraude contábil de como as empresas de ônibus maquiam os custos. Entre 2006 e 2007, ele chegou a atuar num banco privado e neste período muitas empresas de ônibus eram clientes e sempre havia um jeito bem especial de lidar com elas.

“Havia coisas estranhas, das quais dois pontos eu me lembro com maior atenção: O ativo imobilizado era muito baixo (ativo imobilizado é o que a empresa tem de propriedade, portanto, seriam frotas de ônibus e propriedades das empresas). Muitas, mas muitas, apresentavam patrimônio líquido negativo – ou seja acumulavam, por anos consecutivos, prejuízos que superavam o capital social da empresa. As contas nunca fechariam — as receitas seriam baixas perante as despesas. Além disto, as empresas possuem passivos muito maiores que ativos, e como ativo tem de ser igual ao passivo mais patrimônio líquido, este tinha de ser negativo”, revelou.

De acordo com o ex-analista, com uma situação financeira dessas, uma empresa não toma emprestado. E aí, segundo ele, vai o pulo do gato (que dá medo de contar).

“É óbvio que estas informações estão deturpadas (sendo gentil), e vou explicar como. Tanto era assim que nós tínhamos uma planilha em excel que fazia o cálculo do real balanço destas empresas”, completou.

O especialista explica ainda que os pontos são os seguintes: o ativo imobilizado não está declarado nestes balanços. Ele destaca que é como se a ideia do pequeno empresário que não distingue o próprio bolso do caixa da empresa fosse levada às alturas.

“Donos de empresas têm parte da frota em nome próprio (ou de laranjas). Ou, então, compram em nome da empresa e depois “revendem” para terceiros (sócios), após quitados os financiamentos. Os terrenos nos quais estão as garagens das empresas são de propriedade dos sócios e também não aparecem no balanço. Por fim, essas empresas não pagam encargos trabalhistas, adiando-os ao máximo, para aproveitar, quando aparece, uma renegociação. Fazem isso para aumentar muito o exigível de longo prazo, propositalmente, além de ganhar caixa extra pago pelo governo”, concluiu.

Em finanças, um déficit é entendido quando as despesas excedem as receitas. Ou seja, quando há falta de dinheiro. O problema, é que mesmo sem dinheiro, as empresas seguem ‘comprando’ novos ônibus

Os modelos de planilhas

Desde 2017, a ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos apresenta uma nova versão de planilha básica de tarifas de ônibus que deve ser adotada pelas cidades brasileiras.

O trabalho procurou atualizar a antiga planilha do Geipot – Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, hoje Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte, que foi publicada em 1983 e revisada em 1991, 1994 e 1996.

Grande parte das cidades brasileiras usa esta planilha do Geipot.

O modelo apresentado pela ANTP relaciona custos que não eram contabilizados pelas versões anteriores, como com bilhetagem eletrônica, GPS e central de monitoramento nas garagens, ARLA 32 (um fluido usado para reduzir a poluição emitida pelos ônibus) e custos ambientais.

Além disso, a planilha agora leva em conta os riscos enfrentados pelos empresários de ônibus, como, por exemplo, ataques aos coletivos, alterações nos sistemas de transportes, queda da demanda de passageiros, congelamento de tarifas e não repasses de subsídios.

Estes riscos podem ou não acontecer, mas estarão na remuneração aos empresários de ônibus. Caso não ocorram, não há uma fórmula ou previsão de o empresário devolver o dinheiro ao poder público ou para um fundo de transportes. Assim, o risco não concretizado vai virar lucro. O item faz parte da remuneração da prestação de serviços das empresas de ônibus.

Edital contrariou legislação

No próximo capitulo da série vamos mostrar que o edital para licitação dos transportes na capital maranhense não incluiu a Comissão de Acompanhamento da Concessão como prevê a Lei Federal 8.987 de 1995, conhecida como Lei de Concessões.

O não cumprimento desta regra impede que a fiscalização do serviço seja feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.


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