PGJ ignora Constituição ao afirmar que segue apenas os “passos dos prefeitos”  (Foto: Reprodução)

A entrevista do procurador-geral de Justiça, Eduardo Nicolau, ao MP Contexto – podcast do Ministério Público [no vídeo abaixo] mostrou uma espécie de ‘confissão de culpa’ por parte do chefe do órgão de fiscalização ao revelar que vive “seguindo os passos dos prefeitos”, ignorando denúncias envolvendo gestores de outros entes federados como o Estado e até mesmo de poderes como Legislativo e Judiciário.

“Eu sigo os passos dos prefeitos. Eu faço com que eles não façam coisas erradas”, afirmou o procurador-geral no bate-papo ao programa do próprio MP.

O tratamento, entretanto, não tem sido semelhante em relação aos demais gestores. Afinal, seria de bom alvitre se seguisse não apenas os passos dos prefeitos, mas também do governador, do presidente do Tribunal de Justiça, da Assembleia Legislativa, dos secretários estaduais, deputados e de todos que fazem as “coisas erradas” que tanto incomodam o procurador, como bem destacou o jornalista Marco D’Eça em seu blog homônimo.

O Procurador-Geral de Justiça está exagerando no seu alinhamento com o governador Carlos Brandão (PSB), com quem passou a viver abraçado, inclusive, mostrando sua clara posição política à frente da instituição que deveria servir aos interesses públicos.

Diferente da PGE, que é um órgão do Poder Executivo vinculado ao Governador e integrante de seu gabinete nos termos constitucionais, a PGJ é responsável por manter a ordem jurídica de seu estado de origem e garantir a aplicação da lei em diversas áreas. Por isso, deve estar em constante harmonia com a sociedade, pois atua em seu favor em diversas áreas, como saúde, educação, direitos humanos, consumidor, crime, patrimônio público, meio ambiente, entre várias outras.

Claro que a procuradoria não tem o papel de acusar o tempo inteiro, cabe ao Ministério Público avaliar a situação e, se houver indício de crime, determinar investigações e apresentar denúncia.

No entanto, chama à atenção a atuação da PGJ em relação aos graves problemas no sistema de transporte de ferryboat que prejudica usuários. Desde que o caos estourou, resultando na preocupação dos milhares de usuários maranhenses, a PGJ passou a atuar não como um órgão de controle, mas de consultoria do governo.

O que diz a legislação?

A Constituição Federal, ao tratar das funções essenciais à Justiça, coloca o Ministério Público como ente autônomo. Seus agentes cumprem papel relevante na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público foi erigido à condição de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput). Entre os princípios institucionais conformadores da carreira, destacamos: a) o princípio da essencialidade do Ministério Público, ao lado da magistratura e da advocacia; b) o princípio da autonomia institucional que afasta qualquer vínculo de subordinação hierárquica de seus membros dos Poderes do Estado; c) a autonomia funcional ligada à sua atividade fim, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; d) a autonomia administrativa que garante a autogestão institucional, impedindo a interferência de agentes e órgãos externos na condução de assuntos administrativos próprios do Ministério Público; e) a autonomia financeira, ligada à livre elaboração da proposta orçamentária da instituição e na capacidade de livre gestão, aplicação e remanejamento de recursos; f) princípio do controle (interno e externo) com garantias para a perda do cargo e a fiscalização exercida pelos Tribunais de Contas.

Os membros do Ministério Público, depois da Emenda n. 45/2004, detêm as mesmas vedações da Magistratura (arts. 128, § 5º, II, e 95, II, da CF). Além disso, também é vedada à Instituição, a consultoria jurídica de entidades públicas, à luz do artigo 129, IX, da Constituição.

Vedação à consultoria jurídica

A Constituição Federal vedou ao Ministério Público, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Dispõe o seu art. 129, inciso X, que cabe ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Note-se que a norma constitucional além de não proibir, permitiu, deixando em aberto para o legislador infraconstitucional, que ao Ministério Público sejam conferidas outras atribuições compatíveis com a sua finalidade, vedando, tão somente e de forma expressa, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

O art. 129, IX, da CF/1988, permite que a lei, em sentido formal, outorgue outras funções ao Ministério Público, compatíveis com a sua finalidade. O conjunto demonstra que o Ministério Público defende os interesses da sociedade, em sentido lato. É nesse contexto que aparece a “recomendação” do art. 27, parágrafo único, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público).

Não deve ser apenas os prefeitos

Diversa é a recomendação expedida pelos agentes políticos do Parquet. O art. 27, parágrafo único, inc. IV, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), dentre outras disposições de igual teor, autoriza o Ministério Público, no campo da sua atuação institucional, a expedir recomendações aos órgãos públicos, aos concessionários e aos permissionários de serviço público, às entendidas que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município.

Ou seja, em momento algum, o nosso ordenamento determina que os integrantes deste órgão devam “exercer sua fiscalização seguindo apenas os passos dos prefeitos”.

Assista ao bate-papo:

 

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