Documentos obtidos com exclusividade pelo blog do Isaías Rocha evidenciam a existência de um suposto esquema de fraude na licitação do transporte público da capital maranhense com o objetivo de favorecer, principalmente, a Viação Primor, de propriedade do empresário Romeu Aguiar Carvalho, que foi indiciado em Belo Horizonte por formação de cartel, associação criminosa, estelionato e formação da associação criminosa.
Entre os documentos, consta a manifestação da CPL – Comissão Permanente de Licitação acerca dos recursos e contrarrazões da primeira fase da Concorrência nº 004/2015, de interesse da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes – SMTT.
De acordo com as informações, pelos menos três concorrentes se interessaram em participar do processo de olho no Lote IV, que possui as linhas mais rentáveis da cidade e cujo contrato passa de R$ 1 bilhão: Consórcio Leste, Consórcio Nova Ilha e Viação Primor Ltda.
No entanto, para concorrer sozinha, a Primor acabou apresentando impugnações contestando a pontuação do Consórcio Nova Ilha na proposta técnica e questionando a ausência de assinatura no contrato de garantia do Consórcio Leste.
Depois de uma série de manobras suspeitas, o grupo mineiro acabou sendo beneficiado com o contrato de concessão de 20 anos, cujo valor estimado é de R$ 1.767.507.542,00 (um bilhão, setecentos e sessenta e sete milhões, quinhentos e sete mil e quinhentos e quarenta e dois reais), que corresponde ao somatório do valor total da projeção da tarifa de remuneração referente ao período integral da concessão, na data-base de janeiro de 2016.
O valor da outorga a ser pago pela concessionária ao poder concedente corresponde a R$ 2.706.002,00 (dois milhões, setecentos e seis mil e dois reais), em moeda corrente nacional, conforme o valor proposto pela concessionária em sua proposta comercial.
Venceu mesmo impedida
Naquela ocasião, segundo o blog apurou, a Viação Primor sequer teria como participar do certame. Além da dívida com o fisco municipal que se arrasta até hoje, o proprietário da empresa também teria um grau de parentesco com familiares da antiga gestão municipal, o que contraria a legislação brasileira. Os detalhes, entretanto, serão revelados em matérias posteriores.
Apesar disso, a licitação que visava melhorar qualidade no transporte coletivo, não conseguiu barrar a situação de monopólio da empresa que já dura mais de três décadas na capital maranhense e em municípios da Grande São Luís.
Ampliou os negócios
Enquanto oferece à cidade ludovicense um dos serviços de ônibus mais decadentes do país, atrasa salários de funcionários, acumula dívidas tributárias, reivindica subsídios e aumento de tarifa, o empresário Romeu Aguiar Carvalho que controla linhas do transporte coletivo em São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar, também aproveita para expandir seus negócios em outros estados.
Conforme o blog apurou, Romeu Aguiar Carvalho, irmão de Roberto Carvalho, e Ana Paula Campos Carvalho, filha do empresário, respondiam pela Valadarense, empresa perdedora da licitação em Belo Horizonte no ano de 2008.
Durante depoimento à CPI da BHTrans, Romeu chegou a se confundir de qual empresa era sócio em 2008. No entanto, ele acabou confirmando que respondia pela perdedora e que, atualmente, é sócio das três empresas que venceram a disputa – Urca, Carneirinhos e Rodopass.
O empresário mineiro tem uma especialidade de “ganhar, mesmo perdendo”. Assim como em São Luís, na capital mineira algumas de suas empresas de ônibus estariam com débitos fiscais, conforme documento da Procuradoria da Fazenda Nacional que mostrou, inclusive, concessionárias investigadas por fraudes fiscais e impedidas de participar da licitação.
“Rei do Transporte”
Romeu Aguiar possui participação em 44 CNPJ perante a Receita Federal nos estados de Minas Gerais, Maranhão e Bahia, transformando o empresário numa espécie de “Rei do Transporte”. Dessas empresas, 31 estão ativas, sendo 27 do tipo matriz e 17 do tipo filial.
A empresa mais antiga em nome do “Rei do Transporte” é a Mobi Transporte Urbano Ltda., aberta em 15 de setembro de 1966 estando ativa até hoje. Já a mais recente é a Veloc-Comercio de Veículos Ltda., aberta em 17 de maio de 2019 e em plena atividade. O capital social das firmas somam cerca de R$ 538.440.323,02.
Romeu tem atualmente 212 sócios nestas empresas. Em 2016, uma de suas firmas – a Valadarense – foi alvo da Operação ‘Mar de Lama’. Na época, segundo a Polícia Federal, os sócios Roberto Carvalho e a filha dele, Juliana Carvalho Schetino, foram apontados como integrantes de uma organização criminosa instalada na Prefeitura de Governador Valadares.
As investigações apontam que vereadores da cidade teriam recebido propina por parte da quadrilha para votarem a favor do aumento da tarifa e contra a passagem grátis para pessoas com deficiência. O contrato da empresa de transporte coletivo com a Prefeitura é de 20 anos e pode render mais de R$ 1,5 bilhão.
Irregularidade em São Luís
Segundo as denúncias analisadas pelo blog, a regularidade da licitação do transporte na capital maranhense passou a ser duramente questionada pelo Sindicato das Empresas de Transportes (SET), por empresários do setor que participaram do credenciamento e por usuários do serviço.
Segundo ficou comprovado, na primeira fase do certame, o edital sofreu alterações que não foram submetidas à análise do departamento jurídico.
O artigo 38 da Lei de Licitações prevê que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes, devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da administração.”
No entendimento de especialistas, ao ignorar este “pequeno detalhe” do Edital, a CPL beneficiou alguns dos concorrentes que mesmo tendo falhado na elaboração das propostas, acabaram tendo os credenciamentos aprovados.
Apesar da suspeita de irregularidades na época, a Prefeitura de São Luís preferiu não se pronunciar sobre a possibilidade de cancelar a concorrência, caso fosse comprovada alguma fraude no processo.
Os órgãos que questionam a regularidade do processo também não informaram ao blog se pretendiam acionar a justiça por conta da falha que foi ignorada para beneficiar alguns dos licitadores.
Dúvidas sem respostas
Outro fato que chamou a atenção naquele período foi a publicação no Diário Oficial do Município (DOM), do dia 23 de fevereiro de 2016, com algumas perguntas respondidas pelo Município com relação ao processo licitatório do serviço de transporte público coletivo da capital.
Na pergunta 68, por exemplo, um dos participantes da audiência pública do sistema de transporte, realizada no dia 20 de janeiro daquele ano, fez é o seguinte questionamento: Qual será previsão do valor das passagens após a licitação? A resposta da prefeitura foi que: “Esta resposta estará disponível quando da apresentação do projeto básico”.
Outra pergunta feita e não respondida na audiência: Quais as linhas que serão eliminadas e as criadas? Resposta da SISTRANS / Prefeitura: “Esta resposta estará disponível quando da apresentação do projeto básico”.
A falta de uma resposta convincente provocou vários questionamentos. Afinal, porque a Prefeitura/Sistrans alegam que as respostas para todos as dúvidas só estarão disponíveis na apresentação do projeto básico?
O fato de o relator da CPL está sendo investigado por fraude em licitação não colocou em xeque a lisura do certame que selecionou os consórcios que ficaram responsáveis pelas linhas de transporte pelos próximos 20 anos em São Luís?
O ex-prefeito Edivaldo Júnior tinha conhecimento do processo que o membro relator da CPL é investigado por fraude em licitação no estado do Piauí? Se não tinha, caso o chefe do executivo viesse tomar conhecimento, o que ele pretendia fazer para corrigir esta falha que compromete a lisura do certame?
Após cinco anos, esses e outros questionamentos nunca foram esclarecidos pela Prefeitura, reforçando ainda mais as suspeitas dos vícios que envolveram o processo licitatório.
Tópicos controversos
A concorrência das linhas de São Luís foi muito contaminada por falhas, por exemplo: na audiência não foi feita a ata como manda a Lei Federal 9784/99 do processo administrativo em seu art. 34, ou seja, os presentes deveriam assinar e não assinaram. Além disso, existiram outras polêmicas:
1 – Foram feitas questões escritas, o que a legislação de licitação não permite, pois as perguntas não foram protocoladas e somente depois de muita confusão, apenas vinte pessoas falaram e com tempo bastante limitado, como pode não haver audiências nos bairros dos lotes licitados para um contrato de vinte anos? Onde está o Ministério Público do Consumidor?
2 – O Projeto Básico não foi apresentado completo, o que foi dito foi um breve relato do sistema atual e que apenas que haveria quatro lotes e o processo seria invertido com a proposta comercial antes da habilitação (documentos de habilitação, certidões, etc.), esta situação contraria a lei de licitações em que orienta as audiências públicas devem apresentar o projeto básico completo e ainda não se falou nada dos terminais de integração.
Em tempos de desinformação e pandemia, o blog do Isaías Rocha reforça o compromisso com o jornalismo maranhense, profissional e de qualidade. Nossa página produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.
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