SÃO LUÍS, 13 de novembro de 2023 – O desembargador Marcelo Carvalho Silva, do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), nunca escondeu sua admiração pela literatura. Em seu currículo, faz questão de destacar algumas obras jurídicas como “Decisões Antecipatórias, Cautelares, Liminares e Sentenças”.
Além disso, atuou como membro do Conselho Editorial da Revista Ciência Jurídica e também foi autor do “Compêndio de Legislação para Concursos e Profissionais – Leis Judiciárias do Estado do Maranhão”, em parceria com o juíz Josemar Lopes Santos e o desembargador Jaime Ferreira Araújo.
Em decisão publicada no dia 1º deste mês, a grande paixão do magistrado maranhense se revelou ao apreciar um agravo de instrumento. Nele, o desembargador analisou uma ação de obrigação de fazer combinada com indenização material e danos morais com pedido de antecipação de tutela, proposta por Valney Gomes de Oliveira [ex-vereador de Poção de Pedras] em face do deputado Augusto Inácio Pinheiro Júnior – o Júnior Cascaria (Podemos) e Wellmison do Espírito Santo Pinheiro.
No despacho, Marcelo Carvalho citou o jurista norte-americano Benjamin Nathan Cardozo, que foi juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos e teorizou sobre a estreita ligação entre o Direito e a Literatura.
“Em meus primeiros anos de juiz era tamanha a minha perturbação de espírito que eu não conseguia perceber que não havia rastros ou vestígios no oceano em que me lançara. Eu buscava a certeza. Fiquei deprimido e desanimado quando descobri que essa busca era fútil. Estava tentando alcançar a terra, a terra firme das normas fixas e estabelecidas, o paraíso de uma justiça que se revelasse ainda mais clara e mais dominante do que seus pálidos e tênues reflexos em minha própria mente e consciência vacilantes […]”, diz trecho da decisão que prosseguiu:
“À medida que os anos se passavam e eu refletia mais e mais sobre a natureza do processo judicial, fui me resignando com a incerteza, pois passei a considerá-la inevitável. Passei a ver que o processo, em seus níveis mais elevados, não é descoberta, mas criação; que as dúvidas e apreensões, as esperanças e os temores são parte do trabalho da mente, das dores da morte e das dores do nascimento, em que princípios que serviram à sua época expiram e novos princípios nascem. (O Juiz Benjamin Cardozo integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos. (2004) (Neurolaw. Direito, Neurociência e Sistema de Justiça, ano 2021, p. 99, THOMSON REUTERS. Editora Revista dos Tribunais.)”, escreveu o magistrado.
Na sentença em forma de poema, Carvalho fez um paralelo entre as disposições legais elencadas e o caso concreto, observando que a causa de pedir das ações envolvia o domínio do veículo “SW4” descrito nos autos. No entanto, entendeu que o juízo prevento para o julgamento seja o da Comarca de Castanhal (PA), haja vista que a ação conexa a esta, foi distribuída naquele juízo, pelo ora requerido, em 20 de novembro de 2021, enquanto a ação da qual trata estes autos, foi distribuída, neste juízo, apenas no dia 09 de dezembro de 2021.
“Por fim, quanto à ilegitimidade passiva do requerido Augusto Inácio Pinheiro Júnior [Júnior Cascaria], entendo que deva ser apreciada pelo juízo competente. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, declaro a incompetência deste juízo, ao passo que determino o encaminhamento dos presentes autos ao Juízo da 2ª Vara Cível e Empresarial de Castanhal/PA, acompanhados das nossas homenagens de estilo”, declarou.
Em sua conclusão, o magistrado demonstrou que os operadores do Direito não lidam meramente com papéis, mas com dramas humanos. Por isso, provavelmente, resolveu praticar a sensibilidade com uma espécie de exercício literário que se deu por meio da poesia, encerrada assim:
“Prendo-me e rendo-me com vínculos na forma da Súmula 568 do STJ. (…) Dispensável utilização do diálogo processual. Sem desalinho ao devido processo legal. A questão ficou bem definida na decisão. A apresentação ou não das contrarrazões não causará modificação. Continuidade só causará gargalo processual. E no fim da linha desaguará e aumentará de recursos infindáveis (…)”, concluiu em seu despacho.
Leia aqui a decisão na íntegra
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