Será que as disputas políticas são travadas apenas durante o período eleitoral e que, após proclamado o resultado, o interesse coletivo deve prevalecer? Certamente, assim pensa o cidadão, ou seja, independente da sigla partidária, o bem-estar da sociedade é o balizador das ações políticas e administrativas do Poder Público.
Em tese, era o que deveria acontecer, principalmente quando o foco é o Projeto de Lei nº 174/2019, de autoria do Executivo Municipal, que trata do novo Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes e que serve de “parâmetro para a verificação do cumprimento da função social das propriedades inseridas nos perímetros urbanos” (art.182 da CF).
Em São Luís, a elaboração do novo Plano Diretor começou em 2015, e o debate teve início em 2019. Porém, recheado de falhas, segundo apontou o Ministério Público Estadual, retornou ao Executivo ano passado na gestão do ex-prefeito Edvaldo Holanda Júnior, onde permanece até a presente data.
A falta de posicionamento, já na gestão do prefeito Eduardo Braide (Podemos), vem prejudicando a cidade de São Luís pela não arrecadação de alguns bilhões de reais. Arcaico e desatualizado, já que a Lei 4.669 foi editada em 2006, a planta de valores da capital, por exemplo, segundo informações técnicas, que hoje é de R$ 14 bi, após atualização da lei, subirá para R$ 180 bilhões.
PRONTA PARA O DEBATE
O Legislativo Municipal, através do presidente da Comissão de Mobilidade Urbana, Regulação Fundiária e Ocupação do Solo Urbano, o vereador Astro de Ogum (PCdoB), vem cobrando o envio do projeto àquela Casa, porém, sem qualquer explicação, o Executivo permanece inerte.
“Ainda estamos aguardando o projeto do Plano Diretor. Não sabemos em qual órgão da Prefeitura ele se encontra, muito embora ele seja o assunto mais importante da atualidade na nossa cidade. Somos uma comissão de cinco vereadores que vai trabalhar com o Plano Diretor de forma macro, inclusive com a presença do Ministério Público. Esta Casa Legislativa precisa fazer o trabalho dela, por isso, precisamos focar para conseguirmos levá-lo a plenário até outubro’, disse Astro.
Lembrando que, além de Astro, compõe a Comissão de Mobilidade Urbana os vereadores Aldir Junior (PL), Paulo Vitor (PCdoB), Octávio Soeiro (Podemos) e Ribeiro Neto (PMN). Dos cinco, três não estiveram no palanque do atual prefeito, mas, certamente, essa não deve ser a razão que vem atrapalhando o envio do PL para a retomada do debate no Legislativo Municipal, já que a assertiva apontada ao início do texto deve ser fomentada por grandes gestores, há exemplo do prefeito Eduardo Braide.
A elaboração do Plano Diretor está disposta no art. 40, §4º, I, do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), devendo ser revisado a cada década. É nele que encontramos o conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana.
A principal função do Plano Diretor é assegurar o bem-estar geral, de modo a preservar o meio ambiente, promover qualidade de vida para a população e garantir desenvolvimento urbano sustentável para a cidade. Para tal, a participação da população na elaboração do Plano Diretor é de extrema relevância, visando à identificação, aos estudos e às melhorias para os diversos pontos.
ATRASO NA DISCUSSÃO
Em 2015, quando teve início o processo de revisão do PD, objetivava-se fazer apenas alguns ajustes no texto sobre o Macrozoneamento Ambiental, discussão e aprovação imediata da lei de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, complementar ao Plano Diretor, índices e usos urbanísticos, dividindo a cidade em zonas ou áreas.
Na época, o processo previa oito audiências, no entanto o Ministério Público Estadual e a sociedade civil pediram um número maior e mais divulgação. A Prefeitura acatou e estabeleceu 15 audiências, destas, 13 foram realizadas, mas mesmo assim todo o processo foi cancelado pelo Parquet, que determinou uma discussão mais ampla.
O PD de fato foi rediscutido por órgãos e membros da Prefeitura e de outros setores da sociedade em reuniões técnicas no Conselho da Cidade (CONCID) e, após alguns meses da entrega do projeto pelo então prefeito Edivaldo Holanda ao Presidente da Câmara dos Vereadores Osmar Filho (PDT), ocorreu mais pressão para ampliar ainda mais a discussão, o que foi acatado pelos vereadores.
PRIVATIVO E EXCLUDENTE
Após realização das audiências, metade na zona urbana e a outra na zona rural, os movimentos sociais não pouparam criticas ao documento elaborado pelo Executivo, com ênfase para a transformação de grande parte da zona rural em urbana, visando atender aos interesses do capital imobiliário local e do capital financeiro estrangeiro.
“Além da indecente e criminosa supressão da zona rural, a não definição de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), um instrumento urbanístico de inclusão social que nunca foi regulamentado na cidade; uma redelimitação grotesca nas áreas de dunas no litoral norte; a mudança de zona de metade do Sítio Santa Eulália é uma vergonha, razão pela qual defendemos que a proposta do novo Plano Diretor de São Luís, chamado de ‘estratégico’ pelo prefeito não representa as necessidades reais da população. Ao contrário, é excludente e visa à privatização de novos espaços para a reprodução ampliada do capital”, disse o professor universitário Luiz Eduardo Neves dos Santos, em artigo publicado no Esquerda Online.
OMISSÕES TÉCNICAS–
Diante de muitas reclamações, o Ministério Público entregou algumas preposições à Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da CMSL. Na avaliação do promotor de justiça, Fernando Barreto (Meio Ambiente), o projeto de lei contém “omissões técnicas e equívocos legais”, o que poderá resultar na rejeição integral do Plano Diretor ou na judicialização com possível declaração de nulidade.
Barreto recomendou que à Câmara de Vereadores devolvesse o projeto ao Executivo para a correção das falhas, sobretudo as relacionadas com os mapas de macrozoneamento, bem como fazer o convite para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo acompanhar essa fase do processo legislativo, evitando as inconformidades técnicas detectadas.
Um dos problemas mais graves apontados pelo MPE foi quanto ao mapa de macrozoneamento ambiental, que reconhece como edificáveis áreas de dunas que foram indevidamente ocupadas e cujas construções encontram-se, em grande parte, judicializadas nos âmbitos da Justiça federal e da estadual. “O reconhecimento de que áreas de dunas foram indevidamente objeto de edificações e que, mesmo assim, seriam agora classificadas como edificáveis esbarra na Súmula nº 613 do Superior Tribunal de Justiça, que veda o fato consumado em matéria ambiental”, observou.
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