Dr. Julinho, único gestor ouvido pelo repórter Chico Regueira, tenta explicar diferença entre escola de tempo integral e educação em tempo integral, mas é interrompido várias vezes pelo entrevistador / Foto: Reprodução

SÃO JOSÉ DE RIBAMAR, 9 de janeiro de 2024 – Reflexões feitas pela socióloga canadense Linsey McGoey trazem à luz alguns exemplos de como pessoas e empresas optam por ignorar informações para benefício próprio. Em seu livro The Unknowers: How Strategic Ignorance Rules the world (“Os desconhecedores: como a ignorância estratégica rege o mundo”, em tradução livre), a socióloga define a ignorância estratégica como “a habilidade de explorar o desconhecimento para ganhar mais poder”.

Essa desconfortável tomada de consciência também pode virar uma espécie de pecado sem salvação no mercado editorial. Pelo menos foi isso que observamos na edição do Fantástico que foi ao ar no domingo (7) ao nos brindar com esse fenômeno de “ignorância estratégica”.

Ao veicular a reportagem com título “fraude bilionária”, o Fantástico esmiuçou dentro do seu “padrão de jornalismo”, supostas irregularidades que atingem duas modalidades educacionais no Maranhão: Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Escola em Tempo Integral, causando um rombo nos cofres do Ministério da Educação (MEC).

Pelo que foi narrado, a matéria foi produzida a partir de relatório elaborado por auditores do Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA) que apontou rombo de quase R$ 1,5 bi para os cofres da União. De acordo com o Fantástico, as declarações prestadas no censo escolar de 2022 pelo município de São José de Ribamar indicavam a presença de 21.186 (vinte e um mil cento e oitenta e seis) alunos matriculados em regime de tempo integral, todos concentrados em apenas três escolas, que, supostamente, ofereciam essa modalidade de ensino.

Faturando com a denúncia

O programa, entretanto, revelou que, na realidade, existe apenas uma escola em tempo integral na cidade, com apenas 333 alunos devidamente matriculados nessa modalidade em toda a extensão territorial do município. Dessa forma, acusou o gestor ribamarense de ter inventado ficticiamente 20.853 matrículas em tempo integral, visando receber recursos de forma irregular do Fundeb.

A Globo atacou os prefeitos como se fossem eles os responsáveis pela corrupção, e ignorou que são peças de uma engrenagem da qual o próprio grupo de comunicação faz parte. No intervalo do Fantástico, por exemplo, chamou a atenção dos telespectadores a veiculação de propagandas de um dos municípios denunciados pelo programa dominical. O poder de lucro da emissora com a tal denúncia foi exposto descaradamente ao público.

Legislação sancionada por Lula no mês de julho do ano passado estabeleceu ao Programa Escola em Tempo Integral uma meta de criar 1 milhão de novas vagas neste ano. Norma entrou em vigor posterior à fiscalização realizada pelo TCE maranhense / Foto: Reprodução

Globo ignora legislação

Outro ponto bastante estranho na matéria foi o fato da reportagem sobre aumento de matrículas no Maranhão ter ignorado a mudança na lei que prevê exatamente a ampliação das vagas. O prefeito Dr. Julinho, único gestor ouvido pelo repórter Chico Regueira, ainda tentou explicar essa situação pontuando, inclusive, a diferença entre escola de tempo integral e educação em tempo integral, mas foi interrompido várias vezes pelo entrevistador.

Em novembro do ano passado, o blog do Isaías Rocha apontou que a auditoria do TCE-MA [a mesma usada pelo Fantástico] sobre aumento de matrículas no Maranhão ignorou a mudança na legislação que trata das vagas nas unidades de ensino. Na época, revelamos que a Lei nº 14.640, de 31 de julho de 2023, visa fomentar a criação de matrículas em tempo integral em todas as etapas e modalidades da educação básica, na perspectiva da educação integral. Clique aqui e saiba mais.

Ou seja, com a nova legislação, a Meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 tem o objetivo de oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica. Clique aqui e saiba mais.

Em 2021, o percentual de escolas em tempo integral no país era de 22,4%, segundo o Relatório de Monitoramento das Metas do PNE de 2022, documento mais recente produzido pelo Inep. Já o percentual de matrículas nesse modelo estava em 15,1% naquele ano.

A mudança na regra considera como novas matrículas somente as criadas a partir de janeiro de 2023, nas quais o estudante permanece na escola por pelo menos sete horas diárias ou 35 horas semanais, em dois turnos. O repórter do Fantástico ignorou essa importante informação e o próprio TCE não conseguiu explicar até hoje se a fiscalização realizada por seus auditores leva em consideração essa mudança na lei.

Esclarecendo dúvidas 

Também em novembro, o ex-coordenador de operacionalização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb, Leomir Ferreira de Araújo, chegou a esclarecer em entrevista à TV Mirante, algumas dúvidas sobre matrículas em tempo integral nas escolas. Na ocasião, o servidor do FNDE relacionou aumento de matrículas no Maranhão às boas práticas adotadas no Ceará. Clique aqui e saiba mais.

Relatório questionado

Quem também questionou o relatório de fiscalização do TCE maranhense foi o advogado Flávio Olímpio. Ele que além de jurista, é contador, mestre em controladoria governamental e doutorando em direito à governança global, analisou as informações com cautela. Em artigo publicado na imprensa, o causídico diz acreditar que os dados não são conclusivos para atestar fraude. Clique aqui e leia o artigo na íntegra.

Perguntas sem respostas

Entender esses fatores nos permite compreender duas importantes perguntas que não ficaram claras na exibição da reportagem do último domingo. Afinal, por que a produção do Fantástico não ouviu o Ministério da Educação para comentar sobre o assunto? O que levou a reportagem a ignorar o Programa Escola em Tempo Integral, instituído pela Lei nº 14.640, de 31 de julho de 2023, que visa fomentar exatamente a criação de matrículas em tempo integral em todas as etapas e modalidades da educação básica?

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