Congresso Nacional aprovou em sessão conjunta projeto de execução para as emendas de relator. Crédito: Agência Senado

A mera associação do adjetivo ‘secreto’ ao orçamento público é de antemão uma contradição, e os esforços das lideranças do Congresso para manter na obscuridade os nomes dos parlamentares que se beneficiaram nos últimos dois anos das verbas alocadas sob a rubrica RP9, o código das emendas do relator, é uma afronta institucional por contrariar uma decisão judicial.

No dia 5 de novembro, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou em caráter liminar a suspensão da execução das emendas no orçamento de 2021, conforme informações de A Gazeta.

Na decisão, a ministra deu 30 dias para que “seja dada ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator”. O óbvio ululante: dar transparência aos R$ 20 bilhões que em 2020 irrigaram as bases eleitorais, distribuídos sigilosamente entre partidos governista. Assim como aos R$ 16,8 bilhões previsto em 2021. Afinal, trata-se de dinheiro público cuja destinação deve estar sob escrutínio também público.

Acontece que a determinação desagradou às lideranças da Câmara e do Senado que convocaram uma vexatória sessão conjunta do Congresso na última segunda-feira (29) para apreciar projeto de resolução que foi encaminhado às pressas para, no discurso, conferir mais transparência às emendas do relator. Na pratica, a história é outra. A proposta do senador Marcelo Castro (MDB-PI) não prevê alteração da regra para a divulgação dos pagamentos já feitos, olhando somente para o futuro, além de estabelecer um texto exagerado para as emendas de relator. Em apenas um dia, a proposta foi aprovada nas duas casas.

Mais cedo, uma nota técnica da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado contrariou o ato conjunto do Congresso, assinado na semana passada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, no qual afirmavam a impossibilidade técnica do cumprimento integral da exigência de transparência sobre os gastos de 2020 e 2021. Sem dissipar a névoa, a justificativa infundada só fortalece a ideia de que as barreiras que estão sendo erguidas servem para dificultar o acesso do cidadão ás informações que são de interesse público.

As RP9 são um mecanismo orçamentário que, se antes eram utilizadas para ajustes técnicos na distribuição dos recursos do orçamento, passaram a tratar em 2020 e em 2021 de somas vultuosas, usadas pelo Executivo para conseguir apoio para suas pautas. Moeda de troca. Como não haver transparência com as cifras atingindo os 11 dígitos? A recursa em esclarecer quais foram os destinatários desses valores beira o cinismo.

É uma ironia que os beneficiários desse orçamento subterrâneo fujam da luz do sol, quando se sabe que quase nunca há discrição quando um parlamentar destina emendas aos seus redutos eleitorais. Estranho demais para não se ir mais a fundo. Em maio, o Estadão mostrou que o esquema destinou R$ 3 bilhões à compra de tratores e equipamentos agrícolas superfaturados em 259%.

O impasse provocado pela decisão do Supremo é mais um sinal dos tempos, com o Congresso em vias de criar um cisma institucional tão descabido quanto perigoso. Ao não acatar a ordem de tornar públicas as informações das emendas do relator já consolidadas, o Congresso viola princípios democráticos e, sobretudo, desrespeita seus eleitores.

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