Do Fantástico
O que está acontecendo em São Luís, a capital do Maranhão? Nesta semana, depois de tentar assaltar um bar, um jovem foi espancado até a morte por uma multidão. Uma imagem chocante, vista em todo o Brasil. Em dois anos e meio, já foram 30 linchamentos no Maranhão. Uma triste média de um caso por mês.
Um comércio, agora fechado. Na calçada, ainda as marcas da violência, que chocou o país, esta semana. Os moradores dizem que os rapazes estavam armados e tentaram assaltar o comércio, o dono reagiu e começou uma briga entre eles, as pessoas que passavam pelo local, viram a confusão e chegaram para ajudar o comerciante. Os dois foram desarmados e dominados, um deles foi amarrado em um poste e espancado até a morte.
O homem que aparece na imagem era Cleidenilson Pereira da Silva, de 29 anos. Ele não tinha passagem pela polícia. Um vídeo inédito, mostra a violência dos moradores que antes de agredi-lo, o amarram sem roupa no poste.
“Não era para ter matado. É que o povo ficou revoltado porque a cena que viram”, diz um morador.
“Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, mas a população não aguenta mais”, diz outro morador.
Um adolescente de 17 anos, que foi espancado junto com o rapaz que acabou morrendo, ainda está se recuperando.
“Me bateram demais. Até minha boca estava sangrando. Meu nariz estava sangrando, meu olho ficou roxo. Se eu não me fizesse de morto eu acho que eu tinha morrido”, conta o jovem.
Os vídeos do linchamento se espalharam rapidamente. E isso preocupa bastante quem estuda a violência.
“Algo que seria restrito somente ao contexto local, ganha uma dimensão muito maior quando é colocada na internet vista por outras pessoas. E que muitas vezes você vê pelos comentários, eles estão alimentando, aquele tipo de ação, estão incentivando e concordando, o que dá origem há novos ciclos de linchamento”, diz Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da USP.
Até um PM, em vez de agir como policial, ficou filmando a cena com um celular, depois das agressões. E o menor, deitado no chão, ainda nem tinha sido socorrido.
“Jamais dentro da atividade policial militar há uma recomendação ou uma situação doutrinada para isso. O policial militar que se excede, no caso filmando uma cena de crime, que ele deveria estar agindo e socorrendo pessoas ele está se excedendo e por isso, nós vamos abrir um procedimento legal, que é uma sindicância, para apurar esses fatos”, diz Coronel Pedro Ribeiro, comandante do policiamento metropolitano de São Luís.
Casos de linchamento tem se tornado comuns no Maranhão. Desde 2013, já foram 30 mortes por linchamento somente na Região Metropolitana de São Luís. Uma média de um caso por mês, mas o que explicaria esses números? O que passa na cabeça das pessoas que participam dessas “execuções em praça pública”?
Só nesta semana, aconteceram pelo menos outras duas tentativas de linchamento na região de São Luís. Na quarta-feira (8), um policial impediu que um rapaz acusado de tentar roubar uma moto fosse espancado. E, na quinta-feira (9), uma equipe da TV Mirante passava pela rua no momento que um suspeito de roubar um celular ia ser agredido pela população. A presença dos jornalistas acabou salvando o rapaz
“No momento em que você tem baixos indicadores de desenvolvimento humano, você também favorece com que essas pessoas não percebam a melhor forma, ou alternativas diferenciadas para resolver conflitos, ou para resolver situações de medo ou de violência. Então o que vai acontecer, elas vão tender a resolver à sua maneira”, diz Artenira da Silva e Silva, coordenadora do Observatório de Segurança e Sistema de Justiça- UFMA.
“Uma percepção da ausência do estado ou da incapacidade do estado de dar respostas para questões de segurança e justiça. Então, você gera uma percepção de impunidade e isso estimula ações dessa natureza”, diz Ariadne Natal do Núcleo de Estudos de Violência da USP.
Outro ponto, segundo os especialistas, é que faltam policiais nas ruas maranhenses: o Maranhão tem, proporcionalmente, o menor efetivo do país. Uma média de um policial para cada 892 habitantes, aproximadamente metade da média nacional: 472 habitantes por policial.
“O governo maranhense entende que não é só aumentar o efetivo, mas estar fazendo isso no sentido de corrigir a falha histórica do menor contingente do país. Todos os casos de homicídios, seja qual for a modalidade, passarão por uma avaliação para chegarmos a autoria e consequente punição dos envolvidos”, afirma o secretário de segurança pública do Maranhão, Jefferson Portela.
A Polícia Civil diz que já identificou os envolvidos no caso de segunda-feira (6) e que todos, tendo ou não antecedentes, vão responder por homicídio.
“O que se verifica é que pessoas, até sem registro criminal, sem antecedente penal acaba sendo levado a participar daquela situação. Mas isso para nós é irrelevante”, diz Claudio Santos Barros, delegado.
Os pais do jovem morto lamentam que o filho não tenha tido nem a chance de se defender.
“Deveriam ter entregado a polícia, que a justiça toma conta dos casos, se ele já estava amarrado. Ele foi um bandido nesse caso, mas mais bandido foi quem tirou a vida dele”, diz Antônio Pereira da Silva, pai de Cledenilson.
“Eu acho que é para isso que nós temos lei. É para isso que nós temos polícia, para isso que nós temos juiz. Eu não sei o que dizer, não sei para onde foi, não sei para onde vai. Eu só sei que eu perdi”, diz Maria José Gonçalves Pires, mãe de Cledenilson.