Em uma eleição municipal em meio à pandemia da covid-19, o voto brasileiro mudou de padrão em relação aos últimos pleitos: foi menos ideológico e mais pragmático, em apoio a bons administradores e políticos experientes. Esta é a avaliação do cientista político Leonardo Avritzer, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em entrevista à RFI.
Depois de duas votações fortemente polarizadas em que candidatos que se diziam antipolítica levaram cargos mesmo sem ter experiência, as municipais de ontem deram a vitória em primeiro turno ou a passagem a segundo turno a políticos conhecidos em muitas capitais e cidades importantes do país.
Em 2016, o discurso da nova política ganhou diversas prefeituras pelo Brasil, inclusive as das capitais de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, com João Doria Jr. (PSDB), Marcelo Crivella (Republicanos) e Nelson Marchezan (PSDB), respectivamente. Neste ano, Marchezan não passou sequer para o segundo turno.
“Precisamos lembrar que aquelas eleições foram feitas sob a sombra da Operação Lava Jato e do impeachment da ex-presidente Dilma. Em 2016, foram eleições de forte punição ao PT, entre as cem maiores cidades do Brasil o PT elegeu apenas o prefeito de uma cidade, Rio Branco (AC). E isso mudou demais o mapa eleitoral, e 2018 terminou de mudar este quadro com o voto anti-establishment no presidente Jair Bolsonaro (sem partido)”, analisa o coordenador do Observartório das Eleições.
Contexto da pandemia foi levado em conta
“Parece que o brasileiro, depois de votar duas vezes ideologicamente [em 2016 e 2018] está procurando pessoas capazes de administrar”, afirma Avritzer. O voto destas municipais foi menos ideológico e mais pragmático. “Prefeitos que tiveram uma boa atuação na pandemia são prefeitos que serão reeleitos no primeiro ou no segundo turno, independentemente dos partidos”, comenta.
Em Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte e Palmas, os atuais prefeitos foram reeleitos, Rafael Grecca (DEM), Gean Loureiro (DEM), Alexandre Kalil (PSD) e Cinthia Ribeiro (PSDB).
O contexto da pandemia teve seu peso, assim como a atuação ruim na gestão pública de alguns dos novos nomes das políticas no plano federal e estadual, como os casos dos governadores Wilson Witzel (PSC) e Carlos Moisés (PSL), ambos afastados e em processo de impeachment no Rio de Janeiro e em Santa Catarina.
Com isso, este pleito marca a volta de grupos políticos tradicionais ao poder ou, como chamou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), de políticos experientes. “O eleitor não quer arriscar mais porque já arriscou demais, colocou gente que chega lá e não tem capacidade de governar”, diz Avritzer.
No Rio de Janeiro, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) voltou à cena e passou para o segundo turno com ampla vantagem sobre Crivella. Em Manaus, Amazonino Mendes (Podemos) volta a disputar a prefeitura aos 80 anos.
Rearticulação da esquerda
No Recife, os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) disputam o segundo turno para a prefeitura. Marília é neta do ex-governador Miguel Arraes e João é bisneto de Arraes e filho de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco morto durante sua campanha presidencial em 2014.
O segundo turno com dois candidatos de centro-esquerda no Recife, o avanço de Manuela D’Ávila (PCdoB), que disputará a Prefeitura de Porto Alegre, e de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, são exemplos de uma rearticulação da esquerda.
“Não é que o PT esteja desaparecendo deste mapa da esquerda no Brasil, mas este mapa da esquerda está se reorganizando e passa a ter diversos.
Bolsonaro não foi bom cabo eleitoral
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não foi um bom cabo eleitoral. Após gravar lives no Palácio da Alvorada fazendo campanha para seus candidatos, Bolsonaro publicou em suas redes sociais no sábado (14) uma lista de candidatos apoiados por ele, como Celso Russomano (Republicanos).
“Bolsonaro não foi um grande eleitor nesta eleição. Esta eleição tem um padrão diferente da eleição de 2018, em que Bolsonaro não precisava de televisão, não precisava de palanque, não precisava de governador. Os votos vinham para ele e para quem ele indicasse, ele elegeu vários senadores e deputados assim. Nada disso se repetiu este ano. Existe uma certa de correção de rumo entre o eleitorado do país, que procura se distanciar do presidente”, avalia Avritzer.
“Mesmo o eleitorado que se posiciona de forma conservadora reluta em seguir as posições do presidente Bolsonaro, pois conhece os resultados da administração dele.”
Sem ter grande influência no resultado das capitais e vendo os partidos do Centrão, como o DEM, ganharem postos importantes, o governo federal não deve ter um caminho fácil pela frente após as municipais.
“Jair Bolsonaro é um presidente atípico, ele não governa com o Congresso, ele é o presidente com o maior número de decretos derrubados na Câmara. Ele é um presidente de base instável e que também não buscou ancorar seu governo em partidos políticos com a nomeação de muitos ministros ligados a partidos. Se esta forma de governar já era difícil, ficará mais difícil com o resultado dessas eleições”; conclui Avritzer.
(Com informações do Uol)